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domingo, 11 de setembro de 2011

UM POUCO DE CARLOS GOMES 8


ASPECTO FÍSICO E TEMPERAMENTO DE CARLOS GOMES

CARLOS GOMES tinha a estatura um pouco acima da média, seu porte era naturalmente elegante, pois tinha o corpo muito bem proporcionado. Corpulento, musculoso, tinha cabelos espessos, muito longos e negros. Era um homem bonito.
Sua simpática figura era popularíssima em Milão: não havia quem não o conhecesse e entrava em todos os teatros da cidade como se estivesse em casa.
Era também muito distraído. Seguia sempre um pensamento oculto, qualquer arabesco musical trazia-o inteiramente alheio à vida real, deixando-o à mercê dos constrangimentos que provocava na vida, ora de resultados engraçados, ora de consequências desagradáveis. Parecia ter um caráter muito violento, mas, na realidade, tinha a índole de um cordeiro, incapaz de prejudicar os outros ou de premeditar vinganças. Só fazia muito barulho.
 Sentia-se bem no meio dos jovens, dos estudantes, por quem sempre se interessou intensamente e de crianças de todas as idades.
Aos 23 anos, mostrava sobrancelhas e bigodes grossos e negros, cujas pontas bastas e retas terminavam um pouco abaixo da linha de junção dos lábios. Mais tarde, esse bigode apresenta suas pontas viradas e enceradas e no fim, já branco, escorrega descuidado pelos cantos da boca. Um cavanhaque cobre-lhe o queixo, o pomo-de-Adão era saliente e os dentes perfeitos e muito brancos, contrastavam com sua pele escura.
       Cabelos abundantes enchiam os lados da cabeça e ele os deixará crescer, pois, vaidosamente, os alisava com um ferro de extraordinária grossura que mandara fazer, dando-lhe um aspecto leonino. Um selvagem de bronze.
A famosa cabeleira de CARLOS GOMES é, assim como a basta barba de D. Pedro II, uma imagem popular com a qual nenhum presidente e nenhum compositor posteriores conseguiram competir.
Havia em seus olhos fogo, inteligência, ambição, pressa, desconfiança, ansiedade; eram olhos vivos e muito irrequietos, como os olhos de uma águia. Em alguns momentos, seu olhar ficava nebuloso, duvidoso, melancólico. Herdou as feições da mãe, bela cafuza, principalmente o nariz afilado. Do pai, o mau gênio e o talento para a música. Possuía um magnetismo primitivo, uma força rude.
Seu ar imponente, sua cabeça indígena e o jeito meio desconfiado sempre causaram admiração.
Impossível a quem o conhecesse não ficar preso ao seu encanto natural.
 Na meia-idade, era delgado e a cintura não tinha mais do que quatro palmos de circunferência. Seus cabelos eram grisalhos e penteados para trás, ondulados e bastos. Seus olhos tinham o fulgor do talento e numa multidão de homens seletos distinguia-se sempre.
Muito elegante ao vestir, sua aparência era muito admirada por todos, porque mesmo prostrado por seus eternos problemas e pela doença final conservava o contraste entre a pele muito escura, raro na Itália e a longa cabeleira branca e mantinha a costumeira aparência atlética de homem forte, robusto. Um apuro no vestir, usava sempre abotoaduras de diamante.
Suas feições eram másculas e o olhar sério e penetrante e era grande sua simpatia pessoal. Por volta de 1894, começou a falar com certa dificuldade em virtude da doença que o mataria.
        Tinha um temperamento meridional, com momentos de explosão e fúria e outros de gentileza e amabilidade, com variações periódicas, ora muito falante, ora calado, ausente e recolhido, mas de coração nobre, sempre aberto às causas humanas. Amava a natureza, a justiça e era um amigo fiel.
Não suportava a morte de nenhum ser vivente. Quando menino, um amigo de infância teve seu estilingue quebrado em mil pedaços porque caçava passarinhos – nunca mais se falaram.
Em seu caderno de bolso anotava as ideias e as lia frequentemente. Eram os versos que devia musicar.
Inúmeras vezes a família acordava de madrugada, ao som do piano que se prolongava durante horas sempre acompanhado de canto. Sua voz, embora fraca, era de agradável timbre e muita suavidade.
Exagerado na expressão e nos gestos, um errante urbano, para quem os passeios sempre ofereciam prazeres, revelações, lucidez de espírito.
Sua obra é de uma elegância refinada, de gosto clássico e de uma rara potencialidade emotiva. Para compor, lia e relia o libreto que lhe davam, não o deixava noite e dia, decorava-o, levava-o consigo a toda parte, a cada instante o consultava; a estória contida no libreto tomava conta de seu espírito e conversava com sua alma. Possuía-se do assunto o quanto possível, depois se sentava à mesa de trabalho e rapidamente enchia cadernos e cadernos de papel de música. Muitas vezes, num ímpeto de impaciência rasgava tudo quanto escrevera durante semanas inteiras e recomeçava logo, sem guardar nada da primeira inspiração.
Tinha horror à desordem, ao desalinho, a tudo que não estivesse no lugar adequado.
 Para uma imaginação vulgar, ele não deixou de ser um dissoluto, um devasso, sempre cercado de mulheres.
O tempo e as obras provaram ser ele um artista que precocemente, revelou-se cheio de arrebatamento, no impulso de uma inspiração ardente.
Sua obra é surpreendente milagre de beleza: há vida, movimento, um hálito de fogo estimulando-lhe as notas.
Se os brasileiros da época acharam que ele deveria voltar e fazer-se no Brasil, enganaram-se. A intenção nunca foi a de criar uma escola brasileira de ópera e sim a de triunfar como compositor na Europa, e foi o que aconteceu.
Na Europa, foi de Portugal à Rússia, deixando por onde passava o êxtase nas plateias.
De triunfo brasileiro nos palcos do mundo civilizado, o compositor brasileiro se tornava, assim, um expatriado, por ter se dedicado a um gênero tão artificial e retórico como a ópera, em vez da música instrumental e camerística, por ter abandonado, na ópera, o caminho da nacionalidade em prol do cosmopolitismo europeu, por ter escolhido a Itália para viver a criar arte.
Embora figure em todas as enciclopédias e histórias da música, embora haja um número enorme de estátuas erguidas por todo o Brasil e o fato de ter honrado com o seu nome uma infinidade de ruas, praças, instituições e teatros, a carreira brilhante de suas óperas foi interrompida no exterior e no Brasil, elas não ocuparam até hoje o lugar que merecem.
 Não era fácil lutar num ambiente movido pelas intrigas de cantores, empresários, editores, diretores de teatro e público, pela acirrada competição com os grandes nomes do melodrama onde reinava então, o maior de todos, Verdi e onde ele, estrangeiro, era um intruso.
Foi um homem que soube viver com muita intensidade e deixar para a humanidade, obras fortemente marcadas pelo seu gênio.

Essa paixão, esse colorido forte e triunfal de sua terra transportam-se para as partituras com emotividade abundante.
O “Dicionário Grove de Música” – o maior dicionário do planeta, dedicado aos grandes nomes da música mundial, que em Inglês é composto de 20 vol., no verbete ‘Gomes’, dedicado ao nosso maestro, cita-o como um dos grandes melodistas de sua época e cita-o também em destaque, como um grande sinfonista na Abertura de ‘O Guarani’ e na Alvorada de ‘O Escravo’, prova de que Carlos Gomes tinha também grande dom para composições sinfônicas.
Foi um iluminado: sua Arte era feita de luz.
Morreu com muitos planos ainda na alma; outras obras estavam em seus estaleiros – como dizia ele –, muitos projetos começavam a criar forma…
Andrade Muricy tinha razão:
“Carlos Gomes não acabou… foi interrompido”.
 SILHUETAS

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