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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

CHANEL

Chanel: quase uma espiã nazista
 Entre os franceses, o período em que o país foi ocupado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial é visto de maneira dúbia. Os heróis da resistência francesa são exaltados, mas aqueles que se curvaram diante do poder alemão e decidiram colaborar com o regime costumam ser poupados de críticas. Em muitas biografias, os anos entre 1940 e 1945 são tratados como um período nebuloso, em que as convicções políticas se curvaram diante da conveniência. François Mitterrand, presidente da França entre 1981 e 1995 (morto em 1996), estabeleceu laços com o regime alemão em sua juventude e se juntou à resistência apenas quando a queda do nazismo era iminente.
 No campo das letras, o escritor Louis-Ferdinand Céline (1894-1961) foi defensor ideológico do antissemitismo. O músico Maurice Chevalier cantou para os oficiais alemães, cujas mulheres usavam vestidos desenhados por Christian Dior. Famosa por seu oportunismo e por suas recorrentes declarações antissemitas, a estilista Coco Chanel (1883-1971) dificilmente passaria incólume pelo período. Sabia-se que havia colaborado, mas a profundidade de sua ligação com os nazistas só agora foi revelada.
O livro Dormindo com o inimigo: a guerra secreta de Coco Chanel mostra um lado pouco conhecido da estilista e nunca antes descrito em detalhes. 
 Aos 57 anos, já estabelecida como um ícone da moda mundial, ela se tornou amante do oficial nazista Hans Gunther von Dincklage (1896-1974), um dos espiões da agência de inteligência alemã Abwehr. O caso dos dois, iniciado em 1940 em um encontro no Ritz, estendeu-se por quase dez anos – e, até a queda do regime nazista, Chanel ajudou Dincklage em suas missões. Ela chegou a ser registrada como agente da Abwehr, com o número 7124, e viajou para a Espanha a pedido dos alemães. “Ela não era exatamente uma espiã, mas usou seus contatos para apurar informações para os nazistas”, afirma o jornalista americano Hal Vaughan, autor do livro.
 Embora os documentos que revelaram a filiação nazista de Chanel estivessem abertos ao público desde 1990 na polícia francesa, Vaughan deparou com eles por acaso, durante a pesquisa para um livro sobre Herbert Gregory Thomas, um funcionário da Chanel nos Estados Unidos que foi mandado a missões secretas na Europa. “O relacionamento entre Dincklage e Chanel já era conhecido. Mas, quando descobri, em 2007, que ele havia sido um agente da Abwehr e que Chanel havia colaborado com ele, vi que ali havia material para um livro muito mais explosivo”.
 Ao longo dos três anos seguintes, ele acumulou material sobre o passado nazista de Chanel, bem como a vida pessoal dela e de Dincklage. “Quando os nazistas chegaram ao poder, Chanel, sendo a oportunista que era, gravitou naturalmente na direção deles”, afirma o escritor. “Ela agiu com frieza e conseguia sempre o que queria. Viveu muito bem enquanto muitos franceses sofriam.”
Dormindo com o inimigo revela que Chanel chegou a ser detida poucos dias após o final da guerra e levada a um quartel americano para interrogatório, mas logo foi liberada. Sua fama e suas boas relações a ajudaram a escapar. Embora não haja provas definitivas, biógrafos de Chanel afirmam que o primeiro-ministro britânico Winston Churchill interveio para soltá-la, por intermédio do embaixador britânico Duff Cooper. 
 Chanel também teria oferecido frascos do perfume Chanel nº5 a soldados americanos para ganhar sua boa vontade. Após sua liberação, foi poupada de depor diante dos tribunais. Vaughan acredita que o grau de envolvimento de Chanel com os nazistas era desconhecido dos investigadores.
Assim como Chanel passou incólume nos julgamentos do pós-guerra, é pouco provável que sua fama seja afetada pelas denúncias do livro. A boa vontade da história com outros colaboradores sugere esse desfecho. A colaboração de Mitterrand não o impediu de se tornar presidente da França. Céline ainda hoje é aclamado como um dos grandes inovadores da prosa francesa no século XX, apesar de ter escrito panfletos antissemitas. 
 Dior, depois de vestir as senhoras nazistas, tornou-se o criador do “new look” que reabilitou o glamour do vestuário feminino nos anos 1950. Maurice Chevalier ganhou um Oscar honorário e uma estrela na Calçada da Fama.
Uma das principais estilistas da história da moda, responsável por revolucionar a alta-costura e trazer o conforto ao vestuário feminino, aposentando os espartilhos e incorporando elementos da alfaiataria masculina, Chanel deverá ter um destino semelhante ao dos outros – ou ainda mais glorioso. “Os franceses dizem que os cães ladram e a caravana não para. Eu sou um desses cães”, diz Vaughan. “As pessoas vão ler meu livro, podem até fazer um documentário sobre ele, mas logo tudo será esquecido. Chanel continuará sendo Chanel, e os produtos da marca continuarão a render milhões."
 ETERNAL RED
 

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