INTIMIDADES
Lya Luft Como é normal, haverá os que vão odiar o que escrevo aqui e os que vão apreciar. Fora os indiferentes, para quem tanto faz: alienar-se ao menos por um tempo pode ser bom.
Não ligar a TV de manhã, não abrir o jornal, não deixar que nada nos envenene a alma desde cedo.
Por outro lado, há que saber: a alienação pode ser perigosa.
Pois quero falar da nossa intimidade, que vai ficando rara e complicada num momento em que nossa cultura apela para uma dramática inversão do público e do privado.
Queremos (ou achamos que é preciso) saber tudo, revelar tudo, abrir a roupa, tirar a roupa, escancarar a casa, o quarto, filmar a cama, relatar o dia a dia minuto a minuto, para um ou milhares de desconhecidos ou amigos virtuais.
E sobretudo flagrar o outro: a toda hora somos ‘flagrados’ ou ‘flagramos’ alguém, ainda que simplesmente andando na calçada com o filho pequeno.
O que importa numa pessoa, a dita celebridade ou (que alívio) um anônimo cidadão comum, não é ser uma pessoa decente, interessante, produtiva, engajada em coisas boas, conciliadora na hora certa e indignada idem, mas que esteja com tudo à mostra.
Se não tiver uma pontinha de escândalo, não interessa.
Discrição não está com nada, recato é coisa fora de moda, os tímidos precisam ser fortes e resistentes na sua timidez abençoada.
Estamos ávidos de exposição, nossa e alheia.
Por exemplo, vai parecendo obrigatório gritar aos quatro ventos se somos gays ou não.
Receio que em algum tempo os não gays serão objeto do mesmo horrendo preconceito que hoje persegue os próprios.
A orientação sexual de cada um, seja ela qual for, deveria ser encarada com naturalidade (esse é o objetivo de todos os justos movimentos e manifestações pelo mundo), como a cor da pele, o formato dos olhos, o peso, o jeito. Um dia será assim, talvez.
Mas derrubar um preconceito é longo e duro trabalho.
Quanto mais gritamos contra ele, mais ele aparece e se fortalece.
É preciso passar um tempo, acalmar-se a onda, equilibrarem-se as coisas e as emoções, para que a gente possa encarar o outro com mais respeito e que isso seja o habitual.
Sem que se tenha de expor intimidades, fazer barulho, causar impacto, agarrar-se em público como na cama, onde vale o amor, não o escândalo. (Isso se refere a todos, em tudo: alguma elegância, algum comedimento tornam a vida mais palatável).
E isso não só em questões sexuais. Tem-se falado sobre amamentar em público, coisa que sempre se fez quando necessário.
Com discrição. Amamentar é natural, é belo, é saudável, mas se tiver que ser em público, sempre há como proteger mãe e bebê, nesse ritual de intimidade: um lenço, um virar-se para outro lado.
Não é preciso vociferar, expor-se raivosamente. Talvez a palavra seja: agressivamente.
Amor, sexo, afeto maternal, alegria , felicidade, até dor, tornam-se naturais se tratados como algo natural, não escrachado para chocar eventuais espectadores. (os que ainda se chocam com alguma coisa)
Não me importa, às vezes, parecer antiquada.
Amantes, manifestantes, quaisquer pessoas numa condição que busca ser respeitada, ou na luta mais louvável contra qualquer maligno preconceito, podem protestar sem uma feroz agressividade que traz mais hostilidade, quando o que a gente quer é o direito de ser quem se é, como se nasceu, como se gosta ou como se pode ser.
Com dignidade, com altivez, com compustura. Em qualquer aspecto da humana lida e luta, tão múltipla e variada.
Talvez este seja ainda o momento do grito, do peito de fora, da carícia ardente em público, do possível escândalo.
Com o tempo, imagino e espero, a gente vai mudar, as coisas vão se estabelecer, alguns preconceitos vão cair (outros surgirão com certeza, porque nós somos assim).
É possível que sempre haja gritaria e humilhação de um lado, crueldade e mesquinharia do outro, seja em que aspecto for.
Que nesse caminho se preserve, em tudo o que envolva intimidade, isso que todos desejamos tanto: respeito, a começar por nós próprios e a nossa circunstância.
COMENTÁRIO DA DENISE:
Pois é... outro dia fiquei muito chocada com o que ouvi: que fizeram um vídeo do velório de um campineiro, que não citarei o nome, por respeito a ele.Um vídeo de um velório ! Mas era só o que estava faltando, ou será que vem mais por aí ?
Onde vamos parar com tanta exposição de nossa intimidade ?
De onde vem essa necessidade mórbida de exposição ?
Já virou moda tirarem fotos de velórios e enterros, inclusive do morto, já virou moda baterem palmas para o morto, já virou moda a cantoria que se faz, mas vídeo ? É uma novidade... haverá outras ?
Algumas grávidas perderam o respeito por seu corpo, pela barriga que abriga o filhinho e se expõem de uma forma despudorada e feia.
Aliás as mulheres em geral (ainda bem que há exceções) estão chegando a um tal ponto de exposição do corpo que tiraram todo o tesão dos rapazes, pobres coitados que precisam do auxílio dos 'remédios azuis' prematuramente. Pudera !Recato é uma palavra inexistente para as moças de hoje, infelizmente para os rapazes e pra elas próprias.
Dos rapazes foi roubado o 'frisson' da descoberta. Elas perderam o prazer de 'ser desejada' de uma maneira sensual, não animal.
Sempre digo pra minha neta de 12 anos: onde todos os passarinhos forem amarelos, seja azul.
Enfim... é a 'evolução dos tempos', fazer o quê ?
Dos rapazes foi roubado o 'frisson' da descoberta. Elas perderam o prazer de 'ser desejada' de uma maneira sensual, não animal.
Sempre digo pra minha neta de 12 anos: onde todos os passarinhos forem amarelos, seja azul.
Enfim... é a 'evolução dos tempos', fazer o quê ?
Aceitar... e lamentar.
SURROUNDED BY FLOWERS
Filmar um velório ou sepultamento cabe à imprensa em se tratando de personalidades ilustres.
ResponderExcluirAcredito que estas pessoas buscam, a qualquer preço, um minuto de celebridade, o que, na verdade, transforma-se em vulgaridade.