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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

UM TENOR BRASILEIRO EM PARIS

O gaúcho Martin Muehle canta Tchaikovsky na Bastilha

 
A montagem da ópera A Dama de Espadas, de Pietr Tchaikovski, não  chega a ser uma novidade na Ópera Bastilha, em Paris. Sua primeira  exibição foi em 1991, sob direção musical de Myung-Whun Chung. Uma nova  produção seria assinada por Vladimir Jurowski em 1999, 2001 e 2004.  Agora ela volta a ser apresentada, desta vez sob a direção artística de  Dmitri Jurowski. Para os brasileiros amantes de ópera, porém, a novidade  maior do cartaz não é a sucessão entre os dois irmãos, mas a presença  do tenor Martin Muehle no elenco - o primeiro cantor lírico do País a se  apresentar na Bastilha.

A participação do brasileiro está longe de ser um acaso. Muehle e  Nicolas Joel, atual diretor da Ópera Nacional de Paris, haviam  trabalhado juntos quando da passagem do francês pelo Théâtre du  Capitole, de Toulouse, ocasião em que o brasileiro participou de A  Mulher Sem Sombra, de Richard Strauss, entre 2007 e 2008.

É verdade que seu papel em A Dama de Espadas é antagonista. Na  montagem, ele interpreta Tchekalinski, um jovem aristocrata, amigo de  Hermann, o protagonista encenado por Vladimir Galouzine. Mas sua  participação e seu nome estão lá. "Tchekalisnki pode me dar novas  possibilidades na Europa."

Logo nos primeiros ensaios, Jurowski lhe propôs estender a parceria.  Como o diretor musical é também chefe da Ópera de Antuérpia e tem  relações sólidas na Rússia, novos horizontes devem abrir-se para Muehle.
Essas possibilidades premiam uma carreira que nem sempre foi coberta  de glórias. Filho de um amante da música clássica, Muehle começou a ter  aulas de música no Colégio Farroupilha, em Porto Alegre, e fez aulas  particulares de piano, flauta, teoria musical e violão, antes de chegar  aos corais de canto da capital gaúcha. Apesar da paixão, quase se tornou  jornalista. 

Abandonou a faculdade de Comunicação e decidiu dedicar sua  vida à música depois de conhecer um barítono uruguaio que se tornou seu  professor, em 1989. Então descobriu a ópera. "Um dia, eu estava  assistindo ao Pavarotti e durante o espetáculo comecei a chorar e disse:  'É isso que eu quero ser na vida'", recorda-se.
O percurso, entretanto, não seria fácil. Chegou a começar a Faculdade  de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas mudou-se  para a Alemanha, acompanhando sua namorada de então. Recomeçou sua  formação universitária na cidade de Lübeck, onde ficou quatro anos.  "Tinha muita gana, mas o processo de aprendizagem era bem lento", conta.  Insatisfeito, continuou seus estudos em Hamburgo e passou pelas aulas  de Carlo Bergonzi, em Siena, em 1993 e 1994. 

Aos 23, 24 anos, estava  formado, mas só se tornaria profissional aos 27, quando passou por suas  primeiras audiências em agências alemãs. Em uma delas, voltou a viver em  uma pequena cidade, Bremerhaven, onde progrediu em termos  profissionais, mas o isolamento foi um duro teste em sua vida pessoal. "O teatro me permitia aprender o métier, mas a vida social na cidade era  zero." Além disso, Muehle descobriu na ópera uma profissão como as  outras, com trabalho duro, precariedade e pouco glamour.

Decepcionado, só reavivou o interesse ao vivenciar uma nova  experiência profissional, como professor de aulas particulares em  Hamburgo. "Foi aí que percebi que tinha uma paixão que ainda não  conhecia."

O resultado da fase de reciclagem foram novos papéis em Hamburgo,  Leipzig, Viena, Lübeck e São Paulo, que lhe permitiram retomar a  autoestima e aproveitar as oportunidades que surgiam com cada vez mais  frequência por volta de 2001 e 2002. Em 2004, viria seu primeiro papel  como protagonista em A Flauta Mágica, no Municipal do Rio. Na mesma  época, em Viena, fez papéis nas tradicionais operetas do Teatro de  Baden, crescendo em sua presença cênica graças ao aprendizado com o  tenor búlgaro Ilko Natchev. "Aos poucos, tive a sensação de estar  crescendo, embora não estivesse totalmente maduro."

A "maturidade" começou a aflorar em 2007, em Toulouse, onde conheceu  Nicolas Joel. "Aí senti que tinha encontrado o meu caminho." O retorno  ao Brasil e o casamento com soprano Claudia Riccitelli trouxeram  satisfação à vida pessoal e novo impulso na carreira. No mesmo ano, foi  protagonista no Palácio das Artes, de Belo Horizonte, e no Municipal de  São Paulo.

Agora, Muehle se lança à luta contra a perda da tradição brasileira  na ópera. "O Brasil foi uma rota lírica para cantores europeus que  passavam pelo Rio e São Paulo em direção à Argentina. Mas faltou  continuidade no ensino", lamenta. "Hoje, temos vozes maravilhosas, mas  muitas se perdem no início, por repertórios errados, com falta de visão,  de direcionamento. O resultado é que a tradição está se perdendo e  temos poucos cantores em carreira internacional."

Abertas as portas de Paris, Muehle busca agora o reconhecimento  internacional, o mesmo desafio de músicos como o barítono Paulo Szot, em  Nova York, e da soprano Eliane Coelho, em Viena. Na rota, estão espetáculos na Argentina e Croácia e novas audições de peso na Alemanha, marcadas para 2012. 
LIGHTS IN THE SKY


Um comentário:

  1. Com a sua descoberta, já na Faculdade de Comunicação, ganha o cantor, ganha o Brasil.

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