ADOLESCÊNCIA
L. F. Veríssimo
A família se reunira à mesa do café da manhã, enquanto assistia o primeiro noticiário do dia na tevê. Derrotas no futebol, terremotos pelo mundo, violência nas ruas e discursos acenando desesperança silenciaram pai e mãe. Já o filho, levado a tomar o rumo da escola, emudecera diante da impossibilidade de permanecer na cama. Até que, de seres rastejantes devido ao desânimo, evoluíram instantaneamente ao estado de 'homo erectus curiosus' assim que a adolescente Riana surgiu pela porta.
A garota apareceu e rodopiou sobre a ponta dos pés calçados em sandálias lilás. Os seis olhos despertos examinaram a figura em detalhe: pés e mãos com unhas pintadas em verde-limão, calça justa vermelha e blusinha branca com estampa coberta de lantejoulas. Pendurada no ombro, uma enorme bolsa na cor laranja fosforescente - a mesma cor do batom, que rebrilhava em contraste com a pele queimada de sol.
- E aí, coroada, a Ri em estilo cool vai arrasar... Não vai?
Com a platéia petrificada diante da aparição, a estrela pressionou:
- Gente, que falta de incentivo... Brô Leandro, V. não diz nada?
- Você foi ontem ao oftalmologista com as unhas pintadas assim? - indagou o irmão.
- Claro, ele nem notou.
- Como é que V. sabe? - balbuciou a mãe, no que sugeria lenta recuperação de estado de choque.
- Ué, ele não disse nada...
A resposta acordou o pai:
- Esse doutor Pietro está precisando consultar-se com um colega...
A filha torceu o nariz, enquanto assumia seu lugar à mesa. Os olhares acompanharam-na pelo curto trajeto.
- Filha, esse esmalte... - a mãe ensaiou reação.
- Se quiser um igual, o preço está ótimo. Comprei naquela drogaria perto da escola, sabe?
Indiferente a tudo, Riana em seguida anunciou que daria, 'em primeira mão', a notícia-bomba da semana.
- Eu e a Paula descobrimos que o professor de ginástica namora a irmã da avó da prima da Clarissa.
Brô Leandro não se conteve:
- Nossa, o cara namora uma bisavó?
- É... Quer dizer, deve ser... - titubeou a estrela.
Àquela altura o pai, novamente a caminho da exaustão, resolveu recomendar à filha que pensasse no jeito como andava se vestindo. Caso contrário, acabaria ficando isolada, espantaria os garotos da sua idade. Resolveu exagerar, e até acenou com a expectativa de "um dia ser avô" – projeto para o qual contava com ela, sua Riana querida, em quem não via jeito de celibatária.
- Eu, heim, pai... Tenho vocação é pra ser celebridade. Esse negócio que V. falou aí, se eu achar uma no meu quarto, mato com uma chinelada só.
DIAMANTE NEGRO
Pelo que li ontem a adolescente é que está correta. Todas as cores de esmalte estarão na moda neste verão. Se o no esmalte "liberou geral", a roupa e o sapato devem seguir o mesmo rumo. A crônica do Veríssimo é uma delícia, como todas as que ele faz. Marisilda
ResponderExcluirVeríssimo sempre no seu estilo crítico, mas com suavidade.
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