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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

PORTINARI PARA SEMPRE


Os segredos de "Guerra e Paz"

                O trabalho nos salões do Palácio Gustavo Capanema, marco da arquitetura modernista brasileira no centro do Rio de Janeiro, não para. Lá, 28 painéis que compõem a majestosa “Guerra e Paz”, obra do artista brasileiro Cândido Portinari (1903-1962), passam por minuciosa restauração.

                   Expostos na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, desde 1957, eles voltaram ao Brasil no final de 2010 e estão sob intenso trabalho de recuperação de cores e texturas. “Cuidaram muito bem da pintura nessas cinco décadas”, diz Cláudio Valério Teixeira, que coordena os trabalhos de uma equipe de 18 pessoas. 

                 Mas uma peculiaridade da tinta usada por Portinari, que em partes da obra não chegou a secar por completo, acelerou o acúmulo de poeira e o desbotamento. “Esses trechos continuam pegajosos e precisam de cuidado especial.”

                  Para tratá-las, Teixeira e sua equipe decidiram importar 200 esponjas desenvolvidas exclusivamente para o restauro de obras de arte em papel e usá-las, pela primeira vez no País, sobre tinta a óleo. A equipe garante que, por enquanto, tem dado certo. Mas explicações sobre a estranha consistência da tinta ainda não existem. Suspeita-se que a matéria-prima escolhida pelo artista, importada e vendida nacionalmente a granel, tenha sido vítima de cobiça do vendedor. 
               Na época da encomenda, era comum misturar cera às tintas a óleo para fazê-las render e aumentar os lucros. Como consequência, o material aplicado sobre a tela demora mais do que de costume para secar – no caso de “Guerra e Paz”, não secou. “Estamos esmiuçando as propriedades químicas e físicas da obra com o que há de melhor em tecnologia”, explica Teixeira.
                        Com apoio do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de Minas Gerais, o time tem analisado a luz refletida de porções da tela usando a espectrometria (a avaliação das estruturas químicas da tinta com base no bombardeio da superfície analisada por elétrons) e estudado as pinceladas de Portinari com câmeras de hiper-resolução. Um pedaço milimétrico da obra chegou a ser retirado para análise sob microscópios de luz e eletrônicos. 
                        Tudo para descobrir os mistérios da tinta e a melhor maneira de restaurar a pintura, que tem outros problemas, sem comprometer sua integridade física. E o trabalho pode ser conferido por quem for ao Palácio Gustavo Capanema. Até maio de 2011, sempre haverá painéis sendo restaurados publicamente. “Quem visitar agora vai ver um conjunto de seis peças”, diz Teixeira. “Se voltar daqui a algumas semanas, verá outros.” Ao expor o processo de restauração, a ideia é aproximar o público da obra e até estimular a capacitação de novos restauradores, em falta no Brasil.
                      Uma vez terminado o trabalho, os painéis seguem para São Paulo. Lá, vem sendo negociada a exposição completa da obra a partir de julho, provavelmente na Oca, no Parque do Ibirapuera, acontecimento que o País só presenciou por uma semana em 1956, antes de ela embarcar para Nova York. Findos os dois meses de exposição paulistana, “Guerra e Paz”, que ficará sem casa até 2013 – quando a sede da ONU termina a maior reforma de sua história –, deve rodar o mundo dentro dos limites impostos por seu tamanho. Até lá, a esperança é de que o mistério da tinta que não seca seja resolvido. Se não for, ainda teremos nos beneficiado da beleza monumental de Portinari.
A BELA TOSCANA

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