É possível penetrar na mente de uma doença imortal, entender sua personalidade e explicar seu comportamento? O oncologista Siddhartha Mukherjee, professor da Universidade Colúmbia, em Nova York, acredita que sim. Ele abraçou um desafio grandioso: mergulhar nos milênios de domínio do câncer e retratá-lo como um personagem histórico.
O resultado foi uma inédita e completa (571 páginas) biografia da doença. O livro The emperor of all maladies (O imperador de todos os males) será editado no Brasil pela Companhia das Letras e deverá chegar às livrarias no segundo semestre. Nos Estados Unidos, a obra está há algumas semanas na lista das mais vendidas do jornal The New York Times. O sucesso é justificável.
Mukherjee, em seu laboratório na Universidade Colúmbia, nos EUA. Ele tratou o câncer como um personagem histórico.
Na introdução, o autor diz que sua intenção foi levantar uma questão crucial: “Algum dia a humanidade poderá se livrar do câncer para sempre?”. A leitura nos faz compreender que esse é um objetivo ambicioso demais. A guerra contra o câncer não pode ser vencida. Por uma simples razão: o câncer não é um inimigo único, bem delineado, contra o qual se pode apontar a artilharia. A palavra câncer esconde centenas de doenças diferentes que, em comum, têm apenas o nome. Um nome genérico e enganador. As armas disponíveis evoluíram muito em relação aos instrumentos mutilantes do passado, mas ainda são pouco específicas. Quase sempre o ataque ao câncer equivale a lançar uma bala de canhão para matar uma formiga. As células tumorais morrem e com elas um exército de células sadias. Por que, então, nos fizeram acreditar que essa era uma guerra praticamente ganha? O jovem professor nascido em Nova Délhi, na Índia (e que prefere ser chamado de Sid), conta essa história em detalhes. Com um texto leve e envolvente, nos conduz pelos 4 mil anos de convivência registrada da humanidade com o câncer. E por uma história de inventividade, resiliência, perseverança, arrogância, paternalismo e falsas esperanças. “Há três décadas, a doença era tida como ‘curável’ em apenas alguns anos”, escreve Mukherjee.
Assim como a tuberculose no século XIX, o câncer é visto por muita gente como a doença do século XX. “Ambas foram consideradas “obscenas”, abomináveis, repugnantes aos sentidos”, escreveu a ensaísta Susan Sontag no livro A doença como metáfora. A convivência do homem com o câncer, no entanto, é bem mais antiga. A primeira descrição médica de um tumor foi encontrada num texto egípcio de 2500 a.C. O médico menciona “um tumor protuberante na mama” e diz que não existe tratamento. O termo câncer aparece em 400 a.C. O grego Hipócrates usa a palavra “karkinos” (caranguejo, na tradução do grego) para se referir a um tumor. A estrutura central e os vasos sanguíneos ao redor fizeram Hipócrates lembrar de um caranguejo (Cancer marinus, na nomenclatura científica) se deslocando na areia.
Há poucos registros de câncer na Antiguidade porque as pessoas morriam jovens. O câncer é uma doença relacionada à idade. O risco de uma mulher de 30 anos ter câncer de mama é de 1 em 400. Aos 70 anos, sobe para 1 em 9. Em muitas s sociedades antigas, as pessoas simplesmente não viviam o suficiente para ter câncer. Ele só se torna comum quando outros matadores (tuberculose, lepra, varíola, pneumonia) puderam ser controlados. Foi no século XX, portanto, que os maiores avanços contra o câncer foram alcançados. O trio cirurgia, radioterapia e quimioterapia começou a mudar nossa relação com a doença. O tratamento tornou-se possível. Mas ainda se resumia a três verbos: cortar, queimar e envenenar.
Nos anos 60, os oncologistas acreditavam que a combinação de vários quimioterápicos poderia levar à cura de todos os tipos de câncer. Um anúncio de página inteira publicado em dezembro de 1969 no jornal Washington Post dá a medida daqueles tempos. Era um apelo para que o presidente Richard Nixon declarasse guerra ao câncer. O texto, respaldado pela American Cancer Society, afirmava: “Estamos muito perto da cura do câncer. Só o que nos falta é o dinheiro e o planejamento que colocaram o homem na Lua”.
CHUVA COLORIDA
CHUVA COLORIDA
Bom saber!
ResponderExcluir