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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

ALSÁCIA - A ROTA DOS VINHOS

ALSÁCIA - A ROTA DOS VINHOS
                Entre o Reno e as montanhas dos Vosgos, junto à planície alsaciana, séculos de trabalho criaram uma das mais belas paisagens vinícolas de França. No Alto Reno, as aldeias de Eguisheim, Riquewihr, Kaysersberg, Hunawihr e Ribeauvillé emergem de um mar de vinhedos e são, ao mesmo tempo, a face irresistível da Alsácia rural e medieval.
                 Por uma razoável variedade de razões se pode meter os pés ao caminho em terra alsaciana, mas deve o viajante prover-se de claras convicções, isto é, munir-se de um objectivo desejo e de um afecto que o sustente, mas, também, de ânimo e paciência para belezas que, para os cânones dominantes, respondem por superlativas. 
                  Se assim não for, há-de um tédio sorrateiro instalar-se-lhe na alma, tal a fotogénica leveza da paisagem ou a formosura do cenário de conto de fadas que algumas das povoações exibem.

A arquitectura medieval marca a paisagem urbana da Alsácia, de que é exemplo a aldeia de Ribeauvillé, França
A arquitectura medieval marca a paisagem urbana da Alsácia, de que é exemplo a aldeia de Ribeauvill
Não é de excluir que um ou outro forasteiro mais excêntrico chegue em busca das paisagens que assistiram, nos anos 30, à rodagem de um dos mais belos filmes de sempre - «A Grande Ilusão», de Jean Renoir -, mas a grande maioria dos visitantes que procura a Alsácia tem em mente as inúmeras aldeias de urbanismo e arquitectura medieval e renascentista, as paisagens de vinha que se estendem por suaves colinas ondulantes, a degustação de alguns néctares afamados, ou um turismo cultural que se traduz na oferta de uma infinidade de pequenos museus temáticos, uma boa parte relacionada com a cultura do vinho.
Pode-se, simplesmente, chegar à Alsácia em busca de uma certa França germânica, identificável no rosto das povoações ou no dialecto da Alsácia que mistura palavras latinas e alemãs. Os nomes das aldeias testemunham bem o atribulado percurso histórico da região, que foi mudando, periodicamente, e ao sabor de trocas entre poderios feudais e guerras, de domínio político: Eguisheim, Riquewihr, Kaysersberg, Hunawihr, Ribeauvillé, Niedermorschwihr.
                  A coluna vertebral da região é, sem dúvida, a cultura do vinho. Grande parte das actividades económicas e das práticas culturais estão intimamente relacionadas com o vinho - a Alsácia produz anualmente mais de um milhão de litros de vinho e o processo envolve quase dez mil famílias. 
                  Museus e atividades de ecoturismo, gastronomia e percursos de trekking ou simples caminhadas, tudo evoca mais ou menos directamente a cultura do vinho ou as paisagens transformadas com essa finalidade.

Vista de Ribeauvillé, Alsácia, França
Vista de Ribeauvillé, Alsácia
A chamada Rota dos Vinhos é, assim, a atracção que mais polariza a atenção dos visitantes, embora a sua extensão - cerca de uma centena de quilómetros - a torne impraticável no espaço de tempo de umas breves férias e desaconselhe, aliás, o seu percurso de uma só vez.
O itinerário, que atravessa os mais importantes vinhedos da região e dá a conhecer algumas das aldeias históricas da Alsácia, começa na povoação de Tann, perto de Mulhouse, e termina em Marlenheim, a cerca de trinta quilómetros de Estrasburgo, seguindo quase sempre a estrada D 35, com alguns desvios por caminhos municipais.
                     Entre estas duas portas do reino alsaciano o roteiro cumpre-se ao gosto do viajante, as mais das vezes de automóvel, mas também, frequentemente, sobre duas rodas. Pode ser dividido em duas grandes etapas, que correspondem, também, a duas subzonas vitivinícolas, o Alto Reno e o Baixo Reno.

 DE EGUISHEIM A RIBEAUVILLÉ, A ALSÁCIA RURAL E MEDIEVAL

                        As primeiras notas são, evidentemente, as da integração harmoniosa das aldeias na paisagem e da intimidade com os vinhedos. A articulação entre estes dois elementos funciona numa lógica de contraponto ou de complementaridade, mas é sempre testemunho de uma Alsácia rural e quinhentista que sobrevive com um edificante e invejável nível de conservação.
                        Caminha-se no interior das povoações ou pelos trilhos entre as vinhas dos arrabaldes e cada um dos cenários oferece-se sempre ao alcance do olhar gratificado do caminheiro.
                      Qualquer uma das cinco aldeias tocadas por este roteiro possui, nas redondezas, caminhos pedestres assinalados, o que proporciona, aliás, uma agradável experiência, acrescentada, ainda, do bónus retemperador da evasão das multidões de turistas que habitualmente abarrotam os povoados, especialmente Riquewhir. 
                  Este celebérrimo burgo passa por ser a aldeia mais visitada de França - dois milhões de visitantes por ano!
Igreja em Eguisheim, Alsácia, França
Igreja em Eguisheim, Alsácia, França
Um traço comum a todos os povoados é uma arquitectura com muitos pormenores marcados pela cultura do vinho, como pátios interiores e outras estruturas funcionais requeridas por habitações rurais que deviam também apoiar os trabalhos vitivinícolas. A cultura do vinho é uma realidade local pelo menos desde o século XVI, quando a Alsácia exportava já os seus vinhos para o Norte da Europa, e o urbanismo e a arquitectura da maioria das aldeias datam exactamente dessa época. Muitas casas conservam traça e estruturas medievais ou renascentistas e algumas tornaram-se mesmo paradigmas de conservação, como é o caso da Maison du Gourmet, em Kaysersberg.
                     Eguisheim é um precioso exemplo de estrutura urbana conservada praticamente intacta. O povoado dispõe-se de forma concêntrica em torno do castelo do século XIII, restaurado no final do século XIX. 
                    Esta configuração favorece ao caminhante a descoberta de ângulos surpreendentes que combinam perspectivas singulares sobre as ruas estreitas e as fileiras de casas medievais de tabique - um exercício que pode começar pelas antigas Rues des Fossés, perto da confluência da Grand Rue com a Rue du Muscat e a Rue du Riesling. 
 O conjunto de edifícios medievais da adega Freudenreich, junto ao Cour Unterlinden, merece também atenção do visitante: não só é paradigmático da arquitectura rural da Alsácia, com o seu belo pátio interior, como aí encontramos um recanto muito simpático e aconselhável para uma prova de vinhos.
                            Pormenor curioso e significativo em Kaysersberg: a Rua General de Gaulle mantém também a sua designação medieval, Grand Rue. Ladeada por casario de raiz medieva, a artéria atravessa toda a povoação e leva-nos a uma magnífica ponte quinhentista fortificada, uma espécie de centro nevrálgico dos deambulares turísticos. 
                  O adjectivo pitoresco vai que nem uma luva: lá em cima, coroando um cerro arborizado, jazem os restos mortais de um castelo medieval e, junto à ponte, um vetusto casarão em tabique, com uma varanda bordada em madeira, parece acabadinho de edificar. 
                   A Grand Rue de Kaysersberg leva à estrada para Kientzheim, a aldeia vizinha, onde se pode visitar um museu consagrado à cultura do vinho. Entre as duas povoações, um trilho contorna os premiados vinhedos da casa Schlosseberg, nome a reter, tanto como o das adegas Salzmann.

Rua General de Gaulle, em Riquewhir, Alsácia
Rua General de Gaulle, em Riquewhir, Alsácia
Quatro ou cinco aldeias depois, surge Riquewhir e, finalmente, Ribeauvillé, que se reclama como a pátria do Riesling. Garantida a excelência dos vinhos, ainda que aquela paternidade seja disputada, resta confirmar o recorrente figurino medieval, a que se associa uma série de edifícios dos séculos XVI e XVII. Os cerros vizinhos anunciam a cadeia montanhosa dos Vosgos e têm empinados uns quantos castelos. Observado de longe, o de St. Ulrich parece apenas mais uma fortaleza - por dentro, revela-se a residência luxuosa de uma família aristocrata da povoação. 
                       Vale o esforço da subida, quanto mais não seja pela soberba vista sobre Ribeauvillé e a vasta planície alsaciana, que se estende para leste, até ao Reno e à fronteira franco-alemã.
                       Para além destas andanças de reconhecimento do património edificado e da Rota do Vinho, há, claro, a História, com maiúscula, alicerçada nas narrativas que os turistas podem encontrar com abundância de referências nos folhetos ou nos guias turísticos, narrativas essenciais, bem entendido, para o inteiro retrato da Alsácia. 
                      Mas por ora, fiquemo-nos pela matéria com que se tece o imaginário local. E para isso, não há, certamente, história mais adequada do que a de um célebre e milagreiro fontanário de Hunawhir: num tempo já, convenientemente, longínquo, a água da fonte ter-se-á transformado em vinho para compensar os habitantes pelos danos causados por um ano de más vindimas.

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