ALSÁCIA - A ROTA DOS VINHOS
Entre o Reno e as montanhas dos Vosgos, junto à planície alsaciana, séculos de trabalho criaram uma das mais belas paisagens vinícolas de França. No Alto Reno, as aldeias de Eguisheim, Riquewihr, Kaysersberg, Hunawihr e Ribeauvillé emergem de um mar de vinhedos e são, ao mesmo tempo, a face irresistível da Alsácia rural e medieval.
Por uma razoável variedade de razões se pode meter os pés ao caminho em terra alsaciana, mas deve o viajante prover-se de claras convicções, isto é, munir-se de um objectivo desejo e de um afecto que o sustente, mas, também, de ânimo e paciência para belezas que, para os cânones dominantes, respondem por superlativas.
Se assim não for, há-de um tédio sorrateiro instalar-se-lhe na alma, tal a fotogénica leveza da paisagem ou a formosura do cenário de conto de fadas que algumas das povoações exibem.
A arquitectura medieval marca a paisagem urbana da Alsácia, de que é exemplo a aldeia de Ribeauvill |
Não é de excluir que um ou outro forasteiro mais excêntrico chegue em busca das paisagens que assistiram, nos anos 30, à rodagem de um dos mais belos filmes de sempre - «A Grande Ilusão», de Jean Renoir -, mas a grande maioria dos visitantes que procura a Alsácia tem em mente as inúmeras aldeias de urbanismo e arquitectura medieval e renascentista, as paisagens de vinha que se estendem por suaves colinas ondulantes, a degustação de alguns néctares afamados, ou um turismo cultural que se traduz na oferta de uma infinidade de pequenos museus temáticos, uma boa parte relacionada com a cultura do vinho.
Pode-se, simplesmente, chegar à Alsácia em busca de uma certa França germânica, identificável no rosto das povoações ou no dialecto da Alsácia que mistura palavras latinas e alemãs. Os nomes das aldeias testemunham bem o atribulado percurso histórico da região, que foi mudando, periodicamente, e ao sabor de trocas entre poderios feudais e guerras, de domínio político: Eguisheim, Riquewihr, Kaysersberg, Hunawihr, Ribeauvillé, Niedermorschwihr.
A coluna vertebral da região é, sem dúvida, a cultura do vinho. Grande parte das actividades económicas e das práticas culturais estão intimamente relacionadas com o vinho - a Alsácia produz anualmente mais de um milhão de litros de vinho e o processo envolve quase dez mil famílias.
Museus e atividades de ecoturismo, gastronomia e percursos de trekking ou simples caminhadas, tudo evoca mais ou menos directamente a cultura do vinho ou as paisagens transformadas com essa finalidade.
Vista de Ribeauvillé, Alsácia |
A chamada Rota dos Vinhos é, assim, a atracção que mais polariza a atenção dos visitantes, embora a sua extensão - cerca de uma centena de quilómetros - a torne impraticável no espaço de tempo de umas breves férias e desaconselhe, aliás, o seu percurso de uma só vez.
O itinerário, que atravessa os mais importantes vinhedos da região e dá a conhecer algumas das aldeias históricas da Alsácia, começa na povoação de Tann, perto de Mulhouse, e termina em Marlenheim, a cerca de trinta quilómetros de Estrasburgo, seguindo quase sempre a estrada D 35, com alguns desvios por caminhos municipais.
Entre estas duas portas do reino alsaciano o roteiro cumpre-se ao gosto do viajante, as mais das vezes de automóvel, mas também, frequentemente, sobre duas rodas. Pode ser dividido em duas grandes etapas, que correspondem, também, a duas subzonas vitivinícolas, o Alto Reno e o Baixo Reno.
DE EGUISHEIM A RIBEAUVILLÉ, A ALSÁCIA RURAL E MEDIEVAL
As primeiras notas são, evidentemente, as da integração harmoniosa das aldeias na paisagem e da intimidade com os vinhedos. A articulação entre estes dois elementos funciona numa lógica de contraponto ou de complementaridade, mas é sempre testemunho de uma Alsácia rural e quinhentista que sobrevive com um edificante e invejável nível de conservação.
Caminha-se no interior das povoações ou pelos trilhos entre as vinhas dos arrabaldes e cada um dos cenários oferece-se sempre ao alcance do olhar gratificado do caminheiro.
Qualquer uma das cinco aldeias tocadas por este roteiro possui, nas redondezas, caminhos pedestres assinalados, o que proporciona, aliás, uma agradável experiência, acrescentada, ainda, do bónus retemperador da evasão das multidões de turistas que habitualmente abarrotam os povoados, especialmente Riquewhir.
Este celebérrimo burgo passa por ser a aldeia mais visitada de França - dois milhões de visitantes por ano!
Igreja em Eguisheim, Alsácia, França |
Um traço comum a todos os povoados é uma arquitectura com muitos pormenores marcados pela cultura do vinho, como pátios interiores e outras estruturas funcionais requeridas por habitações rurais que deviam também apoiar os trabalhos vitivinícolas. A cultura do vinho é uma realidade local pelo menos desde o século XVI, quando a Alsácia exportava já os seus vinhos para o Norte da Europa, e o urbanismo e a arquitectura da maioria das aldeias datam exactamente dessa época. Muitas casas conservam traça e estruturas medievais ou renascentistas e algumas tornaram-se mesmo paradigmas de conservação, como é o caso da Maison du Gourmet, em Kaysersberg.
Eguisheim é um precioso exemplo de estrutura urbana conservada praticamente intacta. O povoado dispõe-se de forma concêntrica em torno do castelo do século XIII, restaurado no final do século XIX.
Esta configuração favorece ao caminhante a descoberta de ângulos surpreendentes que combinam perspectivas singulares sobre as ruas estreitas e as fileiras de casas medievais de tabique - um exercício que pode começar pelas antigas Rues des Fossés, perto da confluência da Grand Rue com a Rue du Muscat e a Rue du Riesling.
O conjunto de edifícios medievais da adega Freudenreich, junto ao Cour Unterlinden, merece também atenção do visitante: não só é paradigmático da arquitectura rural da Alsácia, com o seu belo pátio interior, como aí encontramos um recanto muito simpático e aconselhável para uma prova de vinhos.
Pormenor curioso e significativo em Kaysersberg: a Rua General de Gaulle mantém também a sua designação medieval, Grand Rue. Ladeada por casario de raiz medieva, a artéria atravessa toda a povoação e leva-nos a uma magnífica ponte quinhentista fortificada, uma espécie de centro nevrálgico dos deambulares turísticos.
O adjectivo pitoresco vai que nem uma luva: lá em cima, coroando um cerro arborizado, jazem os restos mortais de um castelo medieval e, junto à ponte, um vetusto casarão em tabique, com uma varanda bordada em madeira, parece acabadinho de edificar.
A Grand Rue de Kaysersberg leva à estrada para Kientzheim, a aldeia vizinha, onde se pode visitar um museu consagrado à cultura do vinho. Entre as duas povoações, um trilho contorna os premiados vinhedos da casa Schlosseberg, nome a reter, tanto como o das adegas Salzmann.
Rua General de Gaulle, em Riquewhir, Alsácia |
Quatro ou cinco aldeias depois, surge Riquewhir e, finalmente, Ribeauvillé, que se reclama como a pátria do Riesling. Garantida a excelência dos vinhos, ainda que aquela paternidade seja disputada, resta confirmar o recorrente figurino medieval, a que se associa uma série de edifícios dos séculos XVI e XVII. Os cerros vizinhos anunciam a cadeia montanhosa dos Vosgos e têm empinados uns quantos castelos. Observado de longe, o de St. Ulrich parece apenas mais uma fortaleza - por dentro, revela-se a residência luxuosa de uma família aristocrata da povoação.
Vale o esforço da subida, quanto mais não seja pela soberba vista sobre Ribeauvillé e a vasta planície alsaciana, que se estende para leste, até ao Reno e à fronteira franco-alemã.
Para além destas andanças de reconhecimento do património edificado e da Rota do Vinho, há, claro, a História, com maiúscula, alicerçada nas narrativas que os turistas podem encontrar com abundância de referências nos folhetos ou nos guias turísticos, narrativas essenciais, bem entendido, para o inteiro retrato da Alsácia.
Mas por ora, fiquemo-nos pela matéria com que se tece o imaginário local. E para isso, não há, certamente, história mais adequada do que a de um célebre e milagreiro fontanário de Hunawhir: num tempo já, convenientemente, longínquo, a água da fonte ter-se-á transformado em vinho para compensar os habitantes pelos danos causados por um ano de más vindimas.
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Delícia de rota a seguir.
ResponderExcluirRogoldoni