CRÍTICAS DA ÉPOCA SOBRE "O GUARANI"
Comentário de FRANZ LISZT segundo o testemunho de Giovanni Sgambati na Revista Cultura, de Brasília, em abril e junho de 1971, sobre "O GUARANI":
“Custa-me acreditar que esta ópera seja a primeira de um jovem, pois é densa de amadurecimento técnico, de novidades harmônicas e orquestrais e, acima de tudo, exprime tão original sensibilidade emotiva, decididamente dramática, que desafia as regras fixadas nos conservatórios e, ao mesmo tempo, as respeita superiormente, quando me deixa entrever uma terra longínqua, que se apresenta a nós, europeus, como uma revelação de horizontes luminosos e de tenebrosas e intermináveis florestas, através de uma sensibilidade mediterrânea ensolarada e de plácidos reflexos azuis de céus infinitos.
Eu sinto, porém, que o nacionalismo de Gomes não é premeditado; é uma necessidade, um estímulo espontâneo de seu espírito, que dá à sua música uma vida cheia e flagrante de novidade tropical.”
O IL TROVATORE, de Milão, em 17 de março de 1870, publica a respeito de "O GUARANI":
“No Scala se espera pelo Il Guarany. Terça-feira houve ensaio geral a portas fechadíssimas… como de costume… As vozes que correm a propósito desta ópera são boas e há grande expectativa e curiosidade da parte do público. Nós também temos muita fé no talento de Gomes.”
Oito anos depois, um artigo da GAZZETTA MUSICALE de 1878 critica "O GUARANI":
“Carlos Gomes, um pouco selvagem em todas as suas coisas, o é em grau superlativo nos ensaios das suas óperas. Os executantes da música de Gomes, além das muitas dificuldades que encontram com todos os maestros, encontraram uma especialíssima com o maestro brasileiro, que ao contrário de Boito e de Ponchielli – que cantam como verdadeiros cães – tem uma bela voz, canta muito bem e interpreta a própria música com uma excelência de arte que nenhum ator sabe alcançar.
O maestro está sempre descontente; os executantes sempre desesperadíssimos e o estão mais nos ensaios, porque Gomes não fala, não corrige, não admoesta, não ensina, não pede, não suplica, como fazem todos os outros maestros; nada de tudo isto.
Gomes, quando a execução não está segundo suas ideias, pula da cadeira, passa as mãos na sua cabeleira leonina, põe-se a correr como um possesso pelo palco e solta gritos ensurdecedores, que se assemelham ao alarido selvagem do Guarani, do Ciaco ou do Puelche.”
Escreve a esse respeito de "O GUARANI", o cronologista Barbieri:
“O maestro brasileiro, de bastíssima cabeleira desgrenhada, de olhos negros ardentes como carvões acesos, verdadeiro tipo de selvagem genial, foi apresentado à Maffei pelo Aleardi, que o recomendou e não em vão. Em 19 de março de 1870, no Teatro alla Scala, representou-se O Guarani daquele maestro então com trinta anos e a ópera agradou, foi repetida, saiu do Scala, percorreu o mundo.”
Anos mais tarde, num artigo da GAZZETTA MUSICALE de 1878, de GUSTAVO MINELLI, recorda:
“A noite na qual se apresentou pela primeira vez O Guarani no Scala, a ópera foi assaz aplaudida. O público pede com insistência o autor; quer saudar o grande maestro. Gomes é procurado por toda parte; não é encontrado em lugar algum. O público se impacienta e faz estrépito. Ele é procurado de novo e finalmente alguns amigos o descobrem no mais alto passadiço do palco do teatro.
– Mas o que fazes aí, enquanto todos te aplaudem e te pedem?
– Eu? … me aplaudem?… Temia que fossem desaprovações e assobios!… Vaiado em Milão, eu seria desonrado no Brasil!… E depois, o que diria o meu imperador, o meu pai, se eu tivesse fracassado, depois de tantos sacrifícios que fez por mim ?… Não poderia sobreviver a um insucesso!… Vim aqui para me matar se O Guarani tivesse sido vaiado!
Teve de descer à força do passadiço, foi arrastado como um verdadeiro selvagem para o palco. O público o acolhe com uma explosão de aplausos; sem poder imaginar que, naquele momento, não apenas julgara uma ópera, mas talvez salvara a vida de um artista tão nobre e distinto.”
O LA LOMBARDIA, de Milão, em 21 de março de 1870, publica a respeito de "O GUARANI":
“Dezoito chamadas ao Maestro Gomes consagraram o sucesso de sua ópera Il Guarany, representada ontem de noite no Teatro Scala. E os fragorosos aplausos oferecidos pelo numerosíssimo e seleto auditório ao simpático jovem não eram de puro cumprimento ou cortesia, mas de arrebatamento face às numerosas belezas que a partitura contém realmente (…)”
E comenta a GAZZETTA MUSICALE sobre "O GUARANI":
“Boa música! Eis a opinião que se ouve na boca dos mais severos: e para um principiante não é pouco.”
Dez anos depois da estréia, o JOURNAL DE NICE, 1880, sobre O Guarani, assim se pronunciou:
“A obra de Gomes revela muito estudo e ciência instrumental. Ela inclui inúmeras belas partes (…) Destaca-se especialmente a sinfonia, em que há flashes de genialidade e originalidade, linhas melódicas espontâneas e claras e os dois duetos soprano-tenor são maravilhosos. O segundo e o terceiro atos são brilhantes. Essa é a impressão deixada pela primeira audição desta ópera. Estamos convencidos que terá muito sucesso, pois, repetimos, mostra música de primeira classe que ninguém se cansará de ouvir. E também a execução terá o mesmo sucesso, visto ser excelente.”
LAURO ROSSI, seu professor, escreveu após a estreia da ópera no Scala:
“Meu caro discípulo, já Maestro,
Dizer-te do orgulho de que me sinto possuído é impossível e é inútil. Posso afiançar apenas uma coisa: até hoje não me consta que maestro algum, em idênticas circunstâncias, colhesse vitória igual à de O Guarani. Foi um arrebatamento geral, tanto quanto menos esperado. O telégrafo leva por toda parte notícia, referindo-se, nos países nórdicos, ao sucesso do jovem Karl Gomes… Encho-me também de glória, estreitando-te em meus braços, feliz de te considerar meu colega."
SALVADOR DE MENDONÇA, que em depoimento no JORNAL DO COMMERCIO, em 2 de junho de 1905, declara:
VERDI, em uma entrevista à GAZZETTA FERRARESE, em 15 de maio de 1872, disse:
“Egregio Sig. Avv. G. Pesetti,
Direttore della Gazzetta Ferrarese:
Ella mi ha domandato una intervista e poichè ne indovino subito il motivo, sono qui a contentarla con pochi tratti di penna.
Ho assistito con grande mia soddisfazione all’opera del collega Gomes e posso affirmarle che la medesima è di squisita fattura e rivelatrice di un’anima ardente, di un vero genio musicale.
Anche l’esecuzione mi è piaciuta. Il valoroso tenore Bulterini, in ispecie, canta divinamente bene tutta la sua parte.
L’accoglienza entusiastica del resto, fatta dall’intelligente pubblico Ferrarese cosi al lavoro ad al suo autore come agli esecutori, vale assai più del modesto mio giudizio.
In fretta mi segno devotissimo suo
G. VERDI”
GUIMARÃES JUNIOR diz, a respeito de "O GUARANI":
“O teatro inteiro rompe em aplausos frenéticos a cada trecho, depois de cada ato são 15, 16, 18 chamadas ao autor e, no fim da ópera, público, adversários e maestros estão vencidos, subjugados, e rendem a devida glória ao novo astro que surge. O público, em delírio, aclamava o maestro com repetidas chamadas sob uma tempestade de aplausos como raras vezes ecoaram tão fragorosos na sala austera daquele teatro.”
Crítica de FILIPPO FILIPPI sobre "O GUARANI":
“Acabo de sair do teatro, depois de ter ouvido a longa e não fácil música do jovem compositor brasileiro, a quem o público do Scala dispensou ontem à noite a mais cordial acolhida. A música de Gomes é não só obra de um jovem estudioso e ardente: existe nela a inspiração e a originalidade, qualidades, no entanto, prejudicadas pelas longuras, pelos titubeios de estilo. Contém alguns trechos de valor excepcional especialmente do lado da invenção melódica e do calor afetuoso.”
O crítico do jornal O PALCOSCENICO diz:
“O Guarani demonstra encerrar em si, bastante vigor e força de expansão para fazê-lo manter-se, sempre com muita honra, não somente em nossos principais teatros, mas também em todos os teatros da Itália e do estrangeiro.”
FILIPPO FILIPPI, o famoso crítico musical, escreve ainda sobre "O GUARANI":
“Aquela estranha originalidade, que o distingue entre os gênios da música, é que o incita a escolher melhor os seus libretos. O jovem maestro soube aproveitar todas as boas situações do drama, escrevendo música que revela uma originalidade latente, que não tardará a se desenvolver ainda mais nos seus próximos trabalhos.
O primeiro ato é perfeito do princípio ao fim, cheio de motivos frescos, que denotam em Carlos Gomes uma bela fantasia, além da suma elegância na forma da instrumentação. A batalha de Ceci é uma verdadeira joia musical. A forma é graciosa, o pensamento gentilíssimo e muito bem instrumentado.
O terceiro ato é um magnífico quadro selvagem, muito bem idealizado, com muita coisa absolutamente inédita e original, que fascina.
O coro dos Aimorés, a romanza do Cacique, o consertante e a imploração ao Deus Selvagem, são trechos verdadeiramente dignos de um grande mestre.
No quarto ato, o trecho verdadeiramente belo é o duelo entre o tenor e o baixo.
Apesar de algumas desigualdades e hesitações, é uma das raríssimas obras que indicam um mestre cheio de talento, de fantasia e de saber musical.”
Em 4 de dezembro de 1870, o JORNAL DO COMMERCIO publicava sobre "O GUARANI":
“Por mais que antecipadamente se falasse de O Guarani, por mais que se exaltasse a obra do inspirado talento de Carlos Gomes, estamos que, caso raras vezes visto, para quantos assistiram anteontem à primeira representação, a realidade foi muito além da expectativa. Entre as phrases de admiração que nos entre-actos se cruzaram, as mais calorosas partiram exactamente daquelles que mais incrédulos se haviam mostrado antes.”
TAUNAY fala a respeito desse notável acontecimento musical:
“Foi o ponto máximo da musicalidade nacional. Enfim, o Brasil tem um verdadeiro mestre, destacado entre os mestres, sereno e revoltoso, preso às suas origens, que fez ultrapassar nas pautas o território de sua pátria. O povo branda feliz. Viva o Imperador! Viva Carlos Gomes! Viva o Brasil!”
O prof. VINCENZO CERNICCHIARO, que com 16 anos já tocava violino na orquestra dos teatros líricos, diz a respeito de "O GUARANI":
“Foi uma noite de exuberante exaltação, de palpitante entusiasmo e de um deslumbramento de luzes que nossas jovens almas jamais deveriam esquecer, através das emoções ardentes das primeiras notas de uma ópera que penetrara com delírio no coração de um público de eleição.
Era toda a inspiração do gênio brasileiro e a poesia selvagem do início longínquo da jovem Pátria amada.
O teatro “Provisório”, demolido depois em 1878, erguia sua tosca mole no Campo de Sant’Anna, rodeado de silêncio e da pálida luz de alguns lampiões de gás, mas naquela noite parecia estar envolto como num fluído imponderável de angustiosa expectativa que o iluminava.
Às 8 horas a sala transbordava de espectadores. Os olhos dos intelectuais e dos demais assistentes irradiavam reflexos estranhos ! A respiração era irregular, os corpos agitavam-se nas poltronas esperando numa cálida atmosfera as inefáveis sensações que cada um deles experimentaria ao primeiro contato com as melodias da ópera do glorioso compositor patrício.
Na tribuna imperial, ao lado da cena, quatro poltronas de espaldar dourado aguardavam Suas Majestades, que deviam assistir ao espetáculo.
Nos camarotes de primeira ordem, as mais ilustres famílias de uma aristocracia que devia desaparecer com a República, brilhavam de elegância e sorriam de contentamento.
José de Alencar, o ilustre escritor, assistia também ao espetáculo, deliciando-se ao desenrolar das harmonias que acrescentaram tamanho brilho e nova imortalidade à sua obra literária.
No antigo camarote imperial, colocado em frente ao palco no fundo do teatro ricamente enfeitado, tendo de cada lado dois imensos candelabros com velas acesas, presidia a comissão dos conterrâneos do Maestro, vinda especialmente de Campinas para assistir à apoteose e prestar homenagem ao ilustre campineiro a quem entregaram em nome da cidade um rico presente.
Era uma grande medalha de ouro com um brilhante engastado de subido valor.
A perspectiva era estupenda ! Finalmente, o sino do palco deu o último sinal e a orquestra após haver tocado o Hino Nacional, dá início aos primeiros compassos da ópera.
Regia a orquestra o Maestro Angelo Ferrari, artista de eleição que aos bons tempos do velho Teatro Lírico, já havia feito conhecer aos fluminenses as óperas de Meyerbeer, de Gounod e de outros mestres.
Levantou-se o pano de boca de cena e, como era de prever, após cada um dos trechos da música imortal que já havia transportado num delírio de entusiasmo a culta e dificílima platéia do Scala de Milão, ecoaram rajadas de aplausos.
Homens e senhoras de pé aplaudiram aclamando o Maestro.
Os intérpretes e o Ferrari também foram chamados inúmeras vezes ao proscênio, assim como o soprano Gasc, o barítono Spalazzi, o tenor Lelmi e o baixo Ordinas.
O Imperador e a Imperatriz sorriam desvanecidos, o público fascinado, a Pátria toda, enfim, tinha o orgulho de poder dizer:
- “O Brasil tem um Mestre digno dos Mestres do Velho Mundo !”
No fim da ópera o público havia atingido o ponto máximo do entusiasmo e a coroar o clamoroso sucesso, o Imperador manda chamar Carlos Gomes para lhe conferir a Comenda da Ordem da Rosa.
O público, ignorando a razão que impedia o Maestro de comparecer mais uma vez ao palco, continuava a aplaudir com frenesi, reclamando o autor em altos brados.
Quando finalmente Carlos Gomes reapareceu na cena com a condecoração no peito, a massa compacta dos espectadores, de pé, agitando os lenços prorrompeu num brado de entusiasmo que saía de todos os corações.
- “Viva o Imperador !”
- “Viva Carlos Gomes !”
Era como o grito fremente da Pátria agradecida, a saudação fraternal, a apoteose de glória da arte musical brasileira.
O artista já aclamado na Europa devia estar profundamente comovido, vendo-se enfim rodeado em sua terra natal de uma muralha de afeições admirativas que os inimigos não puderam derrubar naquele momento solene.
Durante os ensaios, a hostilidade de alguns professores de orquestra (brasileiros) que por espírito de antagonismo não admitiam as justas observações do Maestro, zeloso de obter uma execução perfeita como havia sido a do Scala de Milão, provocou incidentes desagradabilíssimos e certa vez Carlos Gomes, perdendo a paciência, jogou por terra a partitura e fugiu do teatro.
Era o prólogo das desgraças e das guerras que lhe haviam de fazer em sua própria Pátria no correr de toda a sua existência.”
FRASE DA VEZ:
“MEU REINO POR UM LIBRETO." (Antonio CARLOS GOMES)
MEU AMIGO, GIOVANNI, EM VILA BRASILIA:
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