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quinta-feira, 26 de julho de 2012

A ARTE DE SER AVÓ

 A ARTE DE SER AVÓ
Raquel de Queiroz
 A escritora Raquel de Queiroz
(Dedico esta postagens a todas as amigas deste blog, que são vovós, em especial à minha amiga - Carmen Lins - admiradora desta incomparável escritora)

Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter
feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os
ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os
compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se
trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é
realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o
filho mesmo...
Quarenta anos, quarenta e cinco... Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem as suas alegrias, as suas compensações - todos dizem isso embora você, pessoalmente, ainda não as tenha descoberto - mas acredita.
Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Não de amores nem de paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu
redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles
adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro
e sogra, cônjuge, emprego, apartamento a prestações, você não
encontra de modo nenhum as suas crianças perdidas. São homens e
mulheres - não são mais aqueles que você recorda.
 
E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias
da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino.
Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores,
sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de
saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela
criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é
"devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu
direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria
escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com
todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado,
no seu coração.

Sim, tenho certeza de que a vida nos dá os netos para nos
compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores
novos, profundos e felizes que vêm ocupar aquele lugar vazio,
nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis. Aliás, desconfio muito
de que netos são melhores que namorados, pois que as violências da
mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos. Se o Doutor Fausto
fosse avó, trocaria calmamente dez Margaridas por um
neto...
No entanto - no entanto! - nem tudo são flores no caminho da avó. Há,
acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa
que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do
garoto. Não importa que ela, hipocritamente, ensine o menino a lhe
dar beijos e a lhe chamar de "vovozinha", e lhe conte que de
noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São
lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente,
nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em
relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante
dos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da
domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de
comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a
fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.
 
Já a avó, não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e
do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não
programadas. Leva a passear, "não ralha nunca". Deixa lambuzar de
pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente
das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos de
opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite
passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os
encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o
proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da
disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer
croquetes, tomar café - café! -, mexer no armário da louça, fazer
trem com as cadeiras da sala, destruir revistas, derramar a água
do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser - e
até fingir que está discando o telefone. Riscar a parede com o
lápis dizendo que foi sem querer - e ser acreditado! Fazer
má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir para os braços da
avó, e de lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da
educação moderna...
Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais 
requintados prazeres da alma. Porém, esses prazeres não
estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu
neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o
direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso.
Meu Deus, o olhar das outras avós, com os seus filhotes magricelas
ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto!
E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre um
olho, lhe reconhece, sorri e diz: "Vó!", seu coração estala de
felicidade, como pão ao forno.
E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que
a mãe o castiga, e ele olha para você, sabendo que se você não
ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional
cumplicidade...
Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se
intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou
porque o menininho - involuntariamente! - bateu com a bola nele.
Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas
recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço
pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque
"ninguém" se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, Vó? Era
um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem
dinheiro que pague...
"Vó!", seu coração estala de
felicidade, como pão ao forno."
PRESENTE  DO MARCELLO PARA O DIA DA VOVÓ 
(que recebi por e-mail hoje... o sorriso mais gostoso ele resolveu dar hoje, no meu dia !)

6 comentários:

  1. Que sorriso delicioso!!!

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  2. Ele está todo feliz no colo. Sorrisinho de alegria, de segurança, de ser, simplesmente, o menorzinho da vovó.

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  3. Espere critica contundente ao Theatro Municipal do RJ por baixa classificação de temporadas líricas
    inexistewntes.

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  4. blog: http://cms.guymachado.webnode.com/
    temporada-lirica/

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  5. Carmen Lins de Carvalho28 de julho de 2012 às 18:27

    DEnise, que fofura !A arte de ser avó". Obrigada, pela homenagem a mim também. Amei reler aqui Rachel de Queiróz. Admiro as ilustrações que acompanham suas postagens.

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