ONDE VOCÊ GUARDA SEUS OLHOS ?
Rubem Alves
Faz uns dias, eu fui para a cozinha, para fazer aquilo que já fizera a centenas de vezes: cortar cebolas ! Ato banal sem surpresas. Mas cortada à cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz refletindo neles... Tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica.
De
repente a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte
para ser vista. E o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os
pimentões... Agora tudo o que vejo me causa espanto...
Ver é
muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos
dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é
idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica.
O objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.
O objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.
William
Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma
árvore que o tolo vê". Uma mulher que vivia perto da minha casa,
decretou a morte de um Ipê que florescia à frente de sua casa, porque
ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos
não viam a beleza, só viam o lixo...
Há
muitas pessoas de visão perfeita que nada veem. "Não é bastante não ser
cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver
os campos e os rios". Escreveu Alberto Caeiro. O ato de ver não é coisa
natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a
primeira tarefa da Educação deveria ser a de "ensinar a ver".
O
zen-budista concorda e toda a sua espiritualidade é uma busca da
experiência chamada "Satori", a abertura do "terceiro olho", a terceira
visão... Onde se pode ver a aura das pessoas, plantas e animais.
Então a
diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos
estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos
por sua função prática.
Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário, mas é muito pouco, muito pobre...
Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário, mas é muito pouco, muito pobre...
Quando
os olhos estão na caixa de brinquedos, eles se transformam em órgãos de
prazer: brincam com o que veem, olham pelo prazer de olhar...
Os
olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os
olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos
brincalhões, é preciso ter as crianças por nossos mestres.
(Resumi
o texto acima, por ser muito extenso, foi extraído da seção "Sinapse"
do jornal Folha de SP, versão on-line publicado em 26/10/2004)
BEATLES EM GRAFITE
Grande Rubens Alves!
ResponderExcluirHá olhos de ver e olhos de, apenas, enxergar.