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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A DESPEDIDA


NUNCA SE SABE ONDE SE ESCONDE UMA DESPEDIDA
Artur da Távola
               Até no afã do até logo pode esconder-se um nunca mais. Na frase infeliz, na simples conversa, algo pode estar morrendo, do amor ou da amizade.

               Há despedidas que não são patentes. Não se lhes percebe o estalo do afastamento, que pode estar no instante de mau humor, na resposta infeliz, na alegria que não se repete ou na palavra que deixamos de dar e receber. Às vezes, está na palavra que dizemos.
              Nem sempre as pessoas se separam: esgarçam-se às vezes. Viver esgarça. É algo que se afasta sem romper completamente. 
             Também no que esgarça pode haver despedida pois, embora não haja perda de matéria, nunca mais será como antes.
             Despedir-se é sutil, nem sempre aparece. Seres em mutação, vivemos a mudar sem saber. Na mudança, transforma-se em recordação o que antes era união e vontade, amizade ou convivência. 
            Tudo faz-se retrato, álbum, caderno, poema, carta, saudade ou memória. A despedida não é por querer: acontece a despeito. Um simples "até já" pode conter inimagináveis nuncas. Ou sempres.
           Maravilhosa e cruel a vida! Tudo pode acontecer. As ligações, salvo poucas, fazem-se precárias e falíveis. 
           Nosso destino é preso a acontecimentos semicontroláveis. Ou impulsos, cansaços, e as discordâncias, são imprevisíveis. 
           E geram despedidas antes insuperáveis.
           Ninguém sabe de quem se afastará. Nem quais as amizades e amores de toda a vida, nada obstante existam. 
           Raros captam a dor que estala em cada hipótese de despedida. Separar-se contém sempre a hipótese da despedida.
           Por isso, uma dor sempre se infiltra em cada afastamento. Algo se assusta, escondido em tudo o que se separa. Ainda que para ir ali pertinho e logo voltar.
 
          Quem viaja ameaça a despedida. "Partir é morrer um pouco". Dizem os franceses, e com razão. 
          Ainda que para encontrar-se depois, quem parte arrisca despedidas. Por isso, a emoção subjacente percorre-lhe o mistério e a "região das certezas absolutas".
         As grandes despedidas dão-se - contudo - sem que o percebamos. 
         As que sabemos e sofremos não são despedidas completas, pois a saudade e a memória hão de trazer de volta o sentimento genuíno que agora causa dor. 
         As grandes despedidas infiltram-se no cotidiano e nos atos corriqueiros de cada dia sem ser percebidas. Muitos anos depois, vamos verificar que disfarçado em dia-a-dia ali estavam e estalavam saudades antecipadas, vários nuncas dos quais jamais suspeitamos. 
         Nunca se sabe onde está uma despedida.

         A não ser muito depois.
 FRASE DA VEZ:
"A hora do encontro é também despedida a plataforma desta estação, é a vida." (Milton Nascimento e Fernando Brant)
 ENCONTRO INESPERADO

2 comentários:

  1. Agora, escrevendo sobre Artur da Távola, nas minhas pesquisas, descubro este link do seu blog, amiga.
    Foi um período muito triste para mim.
    Minha última postagem no site do Artur: Meu Ídolo Partiu!

    Esta é mais uma forma de homenageá-lo.

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  2. Carmen Lins de Carvalho13 de janeiro de 2012 às 11:39

    Também meu ídolo - o autor de "Quem tem medo de música clássica" em que ele explicava, depois colocava a música. Sábio mesmo!

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