Augusto Calil fala sobre as reformas no Teatro Municipal, na Biblioteca Mário de Andrade e de outros temas de sua gestão
João Luiz Sampaio - O Estado de S.Paulo
"Na entrevista a seguir, concedida com exclusividade ao Estado, o secretário Municipal de Cultura Carlos Augusto Calil afirma que o Teatro Municipal deverá ter uma abertura gradual, com espetáculos de pequeno porte, e que o fundamental é tê-lo totalmente pronto em setembro, quando completa seu centenário. "Um pouco de cautela é importante", diz.
'É preciso criar um fundo bem mais robusto para financiar todas as atividades que não queiram se submeter à lógica do patrocínio', diz secretário.
Sua gestão tem sido marcada por algumas obras, como a reforma do Teatro Municipal e da Biblioteca Mário de Andrade. Elas sofreram com atrasos e aumento de custos. Por quê? Há alguma previsão de reinauguração?
A biblioteca será reaberta no dia 25 de janeiro, mas parte dela já foi aberta em junho. O público já está de volta, há demanda, as pessoas querem livros, dão sugestões, enfim, o prédio voltou à vida. O que acontece é que as reformas foram feitas com o dinheiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento e seguem a legislação de obras e licitações, que são lentas. A parceria com o BID coloca ainda outras questões, ele tem seus critérios próprios, muita coisa precisou ser negociada. No caso do Municipal, infelizmente não houve sincronia entre a reforma do prédio e a do palco. Primeiro, o BID não se sentiu à vontade com o fato de que houve apenas um concorrente; na segunda licitação, surgiu a dúvida sobre se poderíamos ou não admitir consórcios. E obras em edifícios tombados não são fáceis. Quem faz obra sabe que está procurando encrenca. Reformamos a biblioteca e o teatro fizemos porque era necessário. E, no caso do Municipal, havia ainda o pretexto excelente do centenário, em setembro de 2011.
O Municipal será reaberto já em abril, como se tem falado?
Temos que estar prontos para o centenário. Em setembro, tudo tem que estar preparado. Eu gostaria de fazer uma abertura anterior, assim que for possível, mesmo que seja gradualmente. Se não der para fazer a abertura plena em março ou abril, podemos ir recuperando a programação aos poucos. Até porque, com a reforma do palco, os técnicos têm que se habituar com o material, os novos equipamentos, mais modernos. Confio que tudo estará pronto em setembro mas, se for possível, poderemos fazer algo antes, espetáculos menores, sem grandes complicações técnicas. Um pouco de cautela é importante.
Especificamente no caso do Municipal, não se questiona a necessidade da reforma, mas sim o esvaziamento que ela acarretou na programação dos corpos estáveis. O teatro ficou dois anos sem produzir uma ópera. A Sinfônica Municipal vive uma das maiores crises de sua história, com uma programação errática e pouco atraente. Não teria sido possível pensar em alternativas, como o uso de outros espaços da Prefeitura ou parcerias com outros teatros, para que a programação se mantivesse?
Sem dúvida. O Balé da Cidade, por exemplo, continuou produzindo. Quem tem mais dificuldade de sair do teatro são as orquestras e, no caso da ópera, é um gênero que exige infraestrutura maior - e o conforto que o Municipal oferece é difícil de encontrar. E depende também do entendimento entre os nossos diretores e os de outras salas. No começo do mês, por exemplo, a Sinfônica Municipal tocou na Sala São Paulo. A Orquestra Experimental de Repertório, nesse sentido, é mais ágil, por causa de sua dinâmica própria de trabalho. Mas, sim, teria sido perfeitamente possível.
E por que não ocorreu ?
É uma questão de tempo e da dificuldade no planejamento, que é muito grande. Antes de fechar, tivemos uma temporada com nove óperas, na gestão do então diretor artístico Jamil Maluf, usando a central técnica de produção e fazendo parcerias. A desaceleração, durante a reforma, é um preço a se pagar. Esperamos, com o teatro reaberto, compensar o tempo perdido.
Esse esvaziamento, no entanto, pode ser notado em outros setores da secretaria, como o Centro Cultural São Paulo. Quando o senhor o dirigiu, reclamava da falta de recursos. Anos depois, em julho, ao assumir o CCSP, Ricardo Resende voltou a falar da mesma falta de verbas e condições. Como consequência, os teatros precisam urgentemente de reformas e a programação perdeu sua relevância, não repercute como um dia repercutiu na vida cultural da cidade.
É preciso haver modernização dos equipamentos. No caso do Municipal, há a proposta da fundação. O teatro tem uma das estruturas mais difíceis que já encontrei na minha vida. Se olhamos os músicos, há três tipos de contrato dentro de uma mesma orquestra: os efetivos, que são concursados; os admitidos, que estavam no teatro na época da constituição de 1988; e os precários, sem contratos. Com três tipos de salários, não há como uma orquestra funcionar, apesar de ter excelentes músicos. É preciso, então, encontrar a engenharia administrativa que solucione essas questões. No Centro Cultural São Paulo, há uma estrutura anômala, com muitos cargos de comissão, que nem são mais constitucionais. O CCSP foi inaugurado de maneira improvisada. O porão até hoje não está pronto, mas queremos resolver isso até o aniversário de 30 anos, em 2012. A funcionalidade do centro cultural surgiu com o uso, e isso é interessante. Ele se reorganizou à medida que funcionava. Mas não é apenas uma questão de verbas, é finalizar e repor os equipamentos. As salas estão decaídas e isso precisa ser resolvido. Mas não concordo com a avaliação de que o CCSP perdeu a sua dinâmica. A dinâmica quem dá é o público. É o jovem que vai para lá fugir do olho do pai e do professor, um lugar onde não há controle. O CCSP é um ponto de encontro. Precisa sim de manutenção. Mas na política se prefere fazer coisas novas a consertar o que já existe. Fazer um novo teatro é mais fácil que reformar o Municipal. Fazer um novo Centro Cultural São Paulo é mais rentável politicamente do que reformar o que existe.
O Teatro Municipal não tem há dois anos um diretor artístico. Mas Alex Klein, recém-nomeado regente da Sinfônica Municipal, tem agido como diretor, inclusive fazendo alterações na programação que vinha sendo esboçada pelo comitê do centenário. Não há um vácuo de poder dentro da estrutura do teatro?
O Municipal tem diretor artístico, é o maestro Alex Klein.
Mas ele foi anunciado apenas com regente titular da orquestra.
Então houve alguma confusão. Quando o convidei, ofereci três possibilidades: ser diretor artístico, diretor musical ou regente titular. Ele escolheu ser diretor artístico. Não há, é verdade, na estrutura do teatro, o posto de diretor artístico. Mas há diferença entre cargo e função. A função dele é de diretor artístico.
Houve críticas à nomeação de um maestro sem experiência em ópera para dirigir o Municipal.
O Municipal é a casa da ópera de São Paulo, isso não vai mudar. Se Klein não é especialista, vai convidar colegas que são e ele próprio vai desenvolver uma relação com o gênero. Veja, minha estratégia era manter o maestro Rodrigo de Carvalho como maestro interino e esperar a aprovação do projeto que transforma o Municipal em fundação para contratar um novo nome. Mas foi um ano de batalhas antes de eu conseguir sentar com a Prefeitura e esboçar o projeto. Por conta da crise entre os músicos e Carvalho, tive que antecipar a decisão.
Um dos pontos polêmicos do projeto de fundação é justamente a presença de um conselho artístico que descentralizaria e enfraqueceria a direção artística.
É preciso esclarecer isso. Haverá um conselho de orientação artística que, sozinho, não vai determinar nada. O diretor poderá consultá-lo se quiser, pois lá estarão lado a lado os representantes de todos os grupos do teatro, que não costumam conversar, há intrigas e ressentimentos de todos os lados. Isso deve mudar também com a Praça das Artes, onde um aluno da escola de bailado vai conviver com um aluno de música, todos estarão juntos. E isso pode levar a um novo tipo de aproximação e vai mudar essa dinâmica.
A programação que está sendo preparada para o ano que vem, no entanto, parece seguir em caminho distinto. Segundo os músicos do teatro, a Orquestra Experimental de Repertório, formada por jovens instrumentistas, terá seu espaço diminuído em favor da Sinfônica Municipal, que quer recuperar o tempo perdido nos últimos anos. Das óperas previstas, a Experimental faria apenas uma, L"Enfant et les Sortilèges", de Ravel, peça curta, de pouco menos de uma hora.
Não existe isso. A OER vai fazer algum outro título além de L"Enfant. O teatro é um espaço para todo mundo. O problema é conciliar uma temporada que a Sinfônica Municipal quer protagonizar e os outros grupos. Mas não há nada fechado.
O projeto que está na Câmara transforma o Municipal em uma fundação de direito público. Qual a ideia por trás da mudança? Como foi escolhido o modelo, que prevê a presença de uma organização social responsável pela gestão da fundação?
A fundação é necessária para que o teatro tenha autonomia. Ele precisa manter ligações com a administração pública, mas não pode depender dela no dia a dia. A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) é uma fundação de direito privado, é sua própria organização social. O Municipal seria uma fundação de direito público. Os controles dos contratos serão a parte pública; músicos, bailarinos, produtores serão contratados pela OS (Organização Social), porque ela permite que os funcionários sejam celetistas (CLT). No Brasil, ou se faz concurso público - e isso não faz sentido algum quando se pensa na contratação de corpos artísticos - ou se contrata por CLT. Mas a Prefeitura não pode contratar assim.
Os músicos e bailarinos seriam contratados automaticamente no caso de aprovada a fundação ou passariam por reavaliações?
Serão contratados normalmente. Só haverá provas se os maestros e diretores artísticos acharem necessário, mas essa decisão é deles e não do secretário.
Os salários previstos no projeto têm um teto de cerca de R$ 4 mil, valor que está fora da realidade do mercado se levados em consideração músicos e maestros de outras orquestras. Como funcionará isso na prática?
Esses números valem para a parte pública, os funcionários regulares da fundação, os responsáveis por regular os contratos e cujos salários devem seguir os valores da Prefeitura. Os artistas terão salários de acordo com o mercado, que serão determinados pela OS em função do recurso que vai receber.
Qual o orçamento para o Teatro Municipal no ano que vem?
Pedimos R$ 15 milhões. Isso apenas para a programação, ainda há os salários e outras despesas. Se a fundação for aprovada, de cara haverá um aumento de cerca de 80%, por conta das contratações via CLT.
Esse valor é o dobro do orçamento de 2008, anterior à reforma, o que é natural no ano de centenário. Artistas do teatro, no entanto, manifestam medo de que a fonte seque no ano seguinte, como aconteceu, por exemplo, no Teatro Municipal do Rio após sua reforma. Como garantir que isso não aconteça?
Em 2008, foram investidos R$ 8 milhões, com os quais fizemos, entre outras coisas, nove óperas. A ideia, claro, é manter a programação nesse passo e crescer. A reforma pode ajudar o Municipal a ganhar outro status. E, em 2012, com a abertura da Praça das Artes, o palco não precisará abrigar os ensaios e ficará disponível para mais programação. O medo existe sempre, faz parte de um contexto mal estruturado. Com melhores condições, o teatro terá prestígio maior e, portanto, melhores condições de negociar verbas com o governo. O que gera o medo é a estrutura precária, os salários são ruins, o espaço é ruim. Mas à medida que os resultados aparecerem, o teatro vai se reerguer. Veja a Bienal, que estava na lona e se reinventou. O ano do centenário vai passar. Mas ele dura 12 meses, ao longo dos quais o teatro poderá mostrar seu potencial.
Sempre houve muita interferência política no Teatro Municipal, impedindo o desenvolvimento de projetos a longo prazo. Como a fundação corrigiria isso?
Toda fundação, não importa se pública ou privada, tem um conselho deliberativo, mas ele não é executivo. Os membros do conselho não precisam ser do governo, o que causou estranheza na Prefeitura. Eles perguntaram: "Mas, como assim, a Prefeitura não vai ter controle?" O controle será social, digamos assim, mas no conselho a maior parte das pessoas será de fora do governo: além do secretário de Cultura e de um representante do prefeito, teremos artistas do teatro, membros da classe artística, representante dos patrocinadores. E as nomeações não serão feitas politicamente. E o contrato da OS não precisa durar apenas o tempo de uma gestão.
A OS tem se difundido pelo País e, no âmbito do governo do Estado, é um formato ao qual se tem recorrido bastante. O senhor acredita que organizações sociais são a saída ideal para os órgãos estatais de cultura?
São a saída momentânea. A saída, para mim, seria o poder público reconhecer as especificidades de cada área. A Lei 8.666 (que estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras e serviços) coloca no mesmo campo a cultura, hospitais, estradas, a construção de uma ponte e a reforma de um teatro. A administração cultural tem que ser dinâmica, precisa de rotatividade. A OS parte do pressuposto de que aquilo que o Estado não precisa cuidar pode ser repassado à sociedade. Mas, como acontece muito no Brasil, esse repasse se dá às vezes sem controle. Por outro lado, há uma tendência a achar que o poder público faz tudo mal e a iniciativa privada faz tudo bem. E isso não é verdade, não há essa dicotomia. O que precisamos é de certa complementaridade.
O senhor já assumiu posição crítica com relação às leis de incentivo e, desde o início de sua gestão, falou na possibilidade de criação de um fundo que permitisse o investimento direto. Até agora, porém, não foi apresentada uma alternativa concreta.
Há um projeto de lei em cima da minha mesa. Já existe um fundo, o Fepac (Fundo Especial de Promoção de Atividades Culturais), mas ele precisa ampliar as suas funções e é isso que vou discutir agora, antes de mandar o projeto para votação. É preciso criar um fundo mais robusto para financiar todas as atividades que não queiram se submeter à lógica do patrocínio. Tem que haver parcerias. Não sou contra as leis, mas sou contra o modelo brasileiro. O que acontece aqui é a transferência de recursos públicos para a iniciativa privada, não há parceria. O modelo das leis precisa conviver com o investimento direto por meio de editais, por exemplo. Hoje, todo mundo é obrigado a buscar patrocínio. Outro problema é você não poder julgar o mérito de um projeto, apenas seu valor. Qualquer projeto é legítimo só porque foi proposto? Isso é absurdo, uma aberração. Espero deixar uma legislação mais moderna.
Qual o obstáculo?
Há uma resistência enorme por parte dos beneficiados, você não imagina a dificuldade que tenho para tocar nesse assunto. É um tema que desgasta o político. E eu viro o cara que só diz não. Dizer não é desgastante. Ninguém quer falar no assunto. O que vale hoje é passar dinheiro público para a iniciativa privada - e mecanismos assim tiveram consequências como o aumento dos custos. Voltar atrás não dá. Mas precisamos corrigir, achar um equilíbrio. A resistência, no entanto, é enorme. As pessoas insistem na lógica segundo a qual ao governo cabe apenas dar e não cobrar.
Com a possível troca de partido do prefeito Gilberto Kassab, já se fala em trocas no secretariado e, nos bastidores, seu nome estaria entre os possíveis demitidos. Como o senhor vê isso? Se sair, qual o legado que deixa?
Quem sabe disso é o prefeito, ele foi eleito, eu não. Como secretário, não tenho mandato, meu mandato é diário. O que tenho feito é trabalhar pelo restabelecimento dos equipamentos públicos e do centro da cidade. Por outro lado, a secretaria precisa ainda ampliar sua presença na periferia. Nosso fôlego não é grande, o governo do Estado tem feito mais nesse sentido. Deixamos quatro novos espaços, nas quatro regiões da cidade, mas é pouco, muito pouco. Mas não temos esse fôlego porque precisei cuidar da questão administrativa. Se estivesse resolvido quando cheguei, teria sido mais fácil. A estrutura da secretaria era precária e ainda é. E essa gestão se propôs a resolver isso."
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