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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

TEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO


 Augusto Calil fala sobre as reformas no Teatro Municipal, na Biblioteca Mário de Andrade e de outros temas de sua gestão


João Luiz Sampaio - O Estado de S.Paulo

"Na entrevista a seguir, concedida com exclusividade ao Estado, o  secretário Municipal de Cultura Carlos Augusto Calil afirma que o Teatro  Municipal deverá ter uma abertura gradual, com espetáculos de pequeno  porte, e que o fundamental é tê-lo totalmente pronto em setembro, quando  completa seu centenário. "Um pouco de cautela é importante", diz.
               'É preciso criar um fundo bem mais robusto para  financiar todas as atividades que não queiram se submeter à lógica do  patrocínio', diz secretário.

                Sua gestão tem sido marcada por algumas obras, como a reforma do  Teatro Municipal e da Biblioteca Mário de Andrade. Elas sofreram com  atrasos e aumento de custos. Por quê? Há alguma previsão de  reinauguração?
                  A biblioteca será reaberta no dia 25 de janeiro, mas parte dela já  foi aberta em junho. O público já está de volta, há demanda, as pessoas  querem livros, dão sugestões, enfim, o prédio voltou à vida. O que  acontece é que as reformas foram feitas com o dinheiro do Banco  Interamericano de Desenvolvimento e seguem a legislação de obras e  licitações, que são lentas. A parceria com o BID coloca ainda outras  questões, ele tem seus critérios próprios, muita coisa precisou ser  negociada. No caso do Municipal, infelizmente não houve sincronia entre a  reforma do prédio e a do palco. Primeiro, o BID não se sentiu à vontade  com o fato de que houve apenas um concorrente; na segunda licitação,  surgiu a dúvida sobre se poderíamos ou não admitir consórcios. E obras  em edifícios tombados não são fáceis. Quem faz obra sabe que está  procurando encrenca. Reformamos a biblioteca e o teatro fizemos porque  era necessário. E, no caso do Municipal, havia ainda o pretexto  excelente do centenário, em setembro de 2011.

O Municipal será reaberto já em abril, como se tem falado?
                      Temos que estar prontos para o centenário. Em setembro, tudo tem que  estar preparado. Eu gostaria de fazer uma abertura anterior, assim que  for possível, mesmo que seja gradualmente. Se não der para fazer a  abertura plena em março ou abril, podemos ir recuperando a programação  aos poucos. Até porque, com a reforma do palco, os técnicos têm que se  habituar com o material, os novos equipamentos, mais modernos. Confio  que tudo estará pronto em setembro mas, se for possível, poderemos fazer  algo antes, espetáculos menores, sem grandes complicações técnicas. Um  pouco de cautela é importante. 

Especificamente no caso do Municipal, não se questiona a  necessidade da reforma, mas sim o esvaziamento que ela acarretou na  programação dos corpos estáveis. O teatro ficou dois anos sem produzir  uma ópera. A Sinfônica Municipal vive uma das maiores crises de sua  história, com uma programação errática e pouco atraente. Não teria sido  possível pensar em alternativas, como o uso de outros espaços da  Prefeitura ou parcerias com outros teatros, para que a programação se  mantivesse?
                  Sem dúvida. O Balé da Cidade, por exemplo, continuou produzindo. Quem  tem mais dificuldade de sair do teatro são as orquestras e, no caso da  ópera, é um gênero que exige infraestrutura maior - e o conforto que o  Municipal oferece é difícil de encontrar. E depende também do  entendimento entre os nossos diretores e os de outras salas. No começo  do mês, por exemplo, a Sinfônica Municipal tocou na Sala São Paulo. A  Orquestra Experimental de Repertório, nesse sentido, é mais ágil, por  causa de sua dinâmica própria de trabalho. Mas, sim, teria sido  perfeitamente possível.

E por que não ocorreu ?
                  É uma questão de tempo e da dificuldade no planejamento, que é muito  grande. Antes de fechar, tivemos uma temporada com nove óperas, na  gestão do então diretor artístico Jamil Maluf, usando a central técnica  de produção e fazendo parcerias. A desaceleração, durante a reforma, é  um preço a se pagar. Esperamos, com o teatro reaberto, compensar o tempo  perdido.
Esse esvaziamento, no entanto, pode ser notado em outros setores  da secretaria, como o Centro Cultural São Paulo. Quando o senhor o  dirigiu, reclamava da falta de recursos. Anos depois, em julho, ao  assumir o CCSP, Ricardo Resende voltou a falar da mesma falta de verbas e  condições. Como consequência, os teatros precisam urgentemente de  reformas e a programação perdeu sua relevância, não repercute como um  dia repercutiu na vida cultural da cidade.
É preciso haver modernização dos equipamentos. No caso do Municipal,  há a proposta da fundação. O teatro tem uma das estruturas mais difíceis  que já encontrei na minha vida. Se olhamos os músicos, há três tipos de  contrato dentro de uma mesma orquestra: os efetivos, que são  concursados; os admitidos, que estavam no teatro na época da  constituição de 1988; e os precários, sem contratos. Com três tipos de  salários, não há como uma orquestra funcionar, apesar de ter excelentes  músicos. É preciso, então, encontrar a engenharia administrativa que  solucione essas questões. No Centro Cultural São Paulo, há uma estrutura  anômala, com muitos cargos de comissão, que nem são mais  constitucionais. O CCSP foi inaugurado de maneira improvisada. O porão  até hoje não está pronto, mas queremos resolver isso até o aniversário  de 30 anos, em 2012. A funcionalidade do centro cultural surgiu com o  uso, e isso é interessante. Ele se reorganizou à medida que funcionava.  Mas não é apenas uma questão de verbas, é finalizar e repor os  equipamentos. As salas estão decaídas e isso precisa ser resolvido. Mas  não concordo com a avaliação de que o CCSP perdeu a sua dinâmica. A  dinâmica quem dá é o público. É o jovem que vai para lá fugir do olho do  pai e do professor, um lugar onde não há controle. O CCSP é um ponto de  encontro. Precisa sim de manutenção. Mas na política se prefere fazer  coisas novas a consertar o que já existe. Fazer um novo teatro é mais  fácil que reformar o Municipal. Fazer um novo Centro Cultural São Paulo é  mais rentável politicamente do que reformar o que existe.

O Teatro Municipal não tem há dois anos um diretor artístico. Mas  Alex Klein, recém-nomeado regente da Sinfônica Municipal, tem agido como  diretor, inclusive fazendo alterações na programação que vinha sendo  esboçada pelo comitê do centenário. Não há um vácuo de poder dentro da  estrutura do teatro? 
 O Municipal tem diretor artístico, é o maestro Alex Klein.
Mas ele foi anunciado apenas com regente titular da orquestra.
Então houve alguma confusão. Quando o convidei, ofereci três  possibilidades: ser diretor artístico, diretor musical ou regente  titular. Ele escolheu ser diretor artístico. Não há, é verdade, na  estrutura do teatro, o posto de diretor artístico. Mas há diferença  entre cargo e função. A função dele é de diretor artístico.
Houve críticas à nomeação de um maestro sem experiência em ópera para dirigir o Municipal.
O Municipal é a casa da ópera de São Paulo, isso não vai mudar. Se  Klein não é especialista, vai convidar colegas que são e ele próprio vai  desenvolver uma relação com o gênero. Veja, minha estratégia era manter  o maestro Rodrigo de Carvalho como maestro interino e esperar a  aprovação do projeto que transforma o Municipal em fundação para  contratar um novo nome. Mas foi um ano de batalhas antes de eu conseguir  sentar com a Prefeitura e esboçar o projeto. Por conta da crise entre  os músicos e Carvalho, tive que antecipar a decisão.
Um dos pontos polêmicos do projeto de fundação é justamente a  presença de um conselho artístico que descentralizaria e enfraqueceria a  direção artística.
É preciso esclarecer isso. Haverá um conselho de orientação artística  que, sozinho, não vai determinar nada. O diretor poderá consultá-lo se  quiser, pois lá estarão lado a lado os representantes de todos os grupos  do teatro, que não costumam conversar, há intrigas e ressentimentos de  todos os lados. Isso deve mudar também com a Praça das Artes, onde um  aluno da escola de bailado vai conviver com um aluno de música, todos  estarão juntos. E isso pode levar a um novo tipo de aproximação e vai  mudar essa dinâmica.
A programação que está sendo preparada para o ano que vem, no  entanto, parece seguir em caminho distinto. Segundo os músicos do  teatro, a Orquestra Experimental de Repertório, formada por jovens  instrumentistas, terá seu espaço diminuído em favor da Sinfônica  Municipal, que quer recuperar o tempo perdido nos últimos anos. Das  óperas previstas, a Experimental faria apenas uma, L"Enfant et les  Sortilèges", de Ravel, peça curta, de pouco menos de uma hora.
Não existe isso. A OER vai fazer algum outro título além de L"Enfant.  O teatro é um espaço para todo mundo. O problema é conciliar uma  temporada que a Sinfônica Municipal quer protagonizar e os outros  grupos. Mas não há nada fechado.

O projeto que está na Câmara transforma o Municipal em uma  fundação de direito público. Qual a ideia por trás da mudança? Como foi  escolhido o modelo, que prevê a presença de uma organização social  responsável pela gestão da fundação? 

A fundação é necessária para que o teatro tenha autonomia. Ele  precisa manter ligações com a administração pública, mas não pode  depender dela no dia a dia. A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo  (Osesp) é uma fundação de direito privado, é sua própria organização  social. O Municipal seria uma fundação de direito público. Os controles  dos contratos serão a parte pública; músicos, bailarinos, produtores  serão contratados pela OS (Organização Social), porque ela permite que  os funcionários sejam celetistas (CLT). No Brasil, ou se faz concurso  público - e isso não faz sentido algum quando se pensa na contratação de  corpos artísticos - ou se contrata por CLT. Mas a Prefeitura não pode  contratar assim. 

Os músicos e bailarinos seriam contratados automaticamente no caso de aprovada a fundação ou passariam por reavaliações?
                  Serão contratados normalmente. Só haverá provas se os maestros e  diretores artísticos acharem necessário, mas essa decisão é deles e não  do secretário. 

Os salários previstos no projeto têm um teto de cerca de R$ 4 mil,  valor que está fora da realidade do mercado se levados em consideração  músicos e maestros de outras orquestras. Como funcionará isso na  prática?

            Esses números valem para a parte pública, os funcionários regulares  da fundação, os responsáveis por regular os contratos e cujos salários  devem seguir os valores da Prefeitura. Os artistas terão salários de  acordo com o mercado, que serão determinados pela OS em função do  recurso que vai receber.

Qual o orçamento para o Teatro Municipal no ano que vem?

                  Pedimos R$ 15 milhões. Isso apenas para a programação, ainda há os  salários e outras despesas. Se a fundação for aprovada, de cara haverá  um aumento de cerca de 80%, por conta das contratações via CLT. 

Esse valor é o dobro do orçamento de 2008, anterior à reforma, o  que é natural no ano de centenário. Artistas do teatro, no entanto,  manifestam medo de que a fonte seque no ano seguinte, como aconteceu,  por exemplo, no Teatro Municipal do Rio após sua reforma. Como garantir  que isso não aconteça?

                 Em 2008, foram investidos R$ 8 milhões, com os quais fizemos, entre  outras coisas, nove óperas. A ideia, claro, é manter a programação nesse  passo e crescer. A reforma pode ajudar o Municipal a ganhar outro  status. E, em 2012, com a abertura da Praça das Artes, o palco não  precisará abrigar os ensaios e ficará disponível para mais programação. O  medo existe sempre, faz parte de um contexto mal estruturado. Com  melhores condições, o teatro terá prestígio maior e, portanto, melhores  condições de negociar verbas com o governo. O que gera o medo é a  estrutura precária, os salários são ruins, o espaço é ruim. Mas à medida  que os resultados aparecerem, o teatro vai se reerguer. Veja a Bienal,  que estava na lona e se reinventou. O ano do centenário vai passar. Mas  ele dura 12 meses, ao longo dos quais o teatro poderá mostrar seu  potencial. 

Sempre houve muita interferência política no Teatro Municipal,  impedindo o desenvolvimento de projetos a longo prazo. Como a fundação  corrigiria isso? 
                     Toda fundação, não importa se pública ou privada, tem um conselho  deliberativo, mas ele não é executivo. Os membros do conselho não  precisam ser do governo, o que causou estranheza na Prefeitura. Eles  perguntaram: "Mas, como assim, a Prefeitura não vai ter controle?" O  controle será social, digamos assim, mas no conselho a maior parte das  pessoas será de fora do governo: além do secretário de Cultura e de um  representante do prefeito, teremos artistas do teatro, membros da classe  artística, representante dos patrocinadores. E as nomeações não serão  feitas politicamente. E o contrato da OS não precisa durar apenas o  tempo de uma gestão.
 
A OS tem se difundido pelo País e, no âmbito do governo do Estado,  é um formato ao qual se tem recorrido bastante. O senhor acredita que  organizações sociais são a saída ideal para os órgãos estatais de  cultura?

            São a saída momentânea. A saída, para mim, seria o poder público  reconhecer as especificidades de cada área. A Lei 8.666 (que estabelece  normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a  obras e serviços) coloca no mesmo campo a cultura, hospitais, estradas,  a construção de uma ponte e a reforma de um teatro. A administração  cultural tem que ser dinâmica, precisa de rotatividade. A OS parte do  pressuposto de que aquilo que o Estado não precisa cuidar pode ser  repassado à sociedade. Mas, como acontece muito no Brasil, esse repasse  se dá às vezes sem controle. Por outro lado, há uma tendência a achar  que o poder público faz tudo mal e a iniciativa privada faz tudo bem. E  isso não é verdade, não há essa dicotomia. O que precisamos é de certa  complementaridade. 

O senhor já assumiu posição crítica com relação às leis de  incentivo e, desde o início de sua gestão, falou na possibilidade de  criação de um fundo que permitisse o investimento direto. Até agora,  porém, não foi apresentada uma alternativa concreta.
 
               Há um projeto de lei em cima da minha mesa. Já existe um fundo, o  Fepac (Fundo Especial de Promoção de Atividades Culturais), mas ele  precisa ampliar as suas funções e é isso que vou discutir agora, antes  de mandar o projeto para votação. É preciso criar um fundo mais robusto  para financiar todas as atividades que não queiram se submeter à lógica  do patrocínio. Tem que haver parcerias. Não sou contra as leis, mas sou  contra o modelo brasileiro. O que acontece aqui é a transferência de  recursos públicos para a iniciativa privada, não há parceria. O modelo  das leis precisa conviver com o investimento direto por meio de editais,  por exemplo. Hoje, todo mundo é obrigado a buscar patrocínio. Outro  problema é você não poder julgar o mérito de um projeto, apenas seu  valor. Qualquer projeto é legítimo só porque foi proposto? Isso é  absurdo, uma aberração. Espero deixar uma legislação mais moderna. 

Qual o obstáculo?

               Há uma resistência enorme por parte dos beneficiados, você não  imagina a dificuldade que tenho para tocar nesse assunto. É um tema que  desgasta o político. E eu viro o cara que só diz não. Dizer não é  desgastante. Ninguém quer falar no assunto. O que vale hoje é passar  dinheiro público para a iniciativa privada - e mecanismos assim tiveram  consequências como o aumento dos custos. Voltar atrás não dá. Mas  precisamos corrigir, achar um equilíbrio. A resistência, no entanto, é  enorme. As pessoas insistem na lógica segundo a qual ao governo cabe  apenas dar e não cobrar. 

Com a possível troca de partido do prefeito Gilberto Kassab, já se  fala em trocas no secretariado e, nos bastidores, seu nome estaria  entre os possíveis demitidos. Como o senhor vê isso? Se sair, qual o  legado que deixa?

            Quem sabe disso é o prefeito, ele foi eleito, eu não. Como  secretário, não tenho mandato, meu mandato é diário. O que tenho feito é  trabalhar pelo restabelecimento dos equipamentos públicos e do centro  da cidade. Por outro lado, a secretaria precisa ainda ampliar sua  presença na periferia. Nosso fôlego não é grande, o governo do Estado  tem feito mais nesse sentido. Deixamos quatro novos espaços, nas quatro  regiões da cidade, mas é pouco, muito pouco. Mas não temos esse fôlego  porque precisei cuidar da questão administrativa. Se estivesse resolvido  quando cheguei, teria sido mais fácil. A estrutura da secretaria era  precária e ainda é. E essa gestão se propôs a resolver isso."

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