BRASILEIRO COMPRA LIVROS MAS NÃO LÊ !
Por que o brasileiro compra livros, mas não lê ?
O mundo da cultura se tornou pior porque o questionamento sistemático do mundo e do eu, representado pela filosofia, morreu.
JOEL RUFINO DOS SANTOS é doutor em comunicação e cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, historiador e escritor
Em História do cerco de Lisboa, de Saramago, um modesto revisor trabalha num livro de história que narra a retomada de Lisboa pelos cristãos (1139). Passava na região, em direção à Terra Santa, um cruzado inglês. O cristão manda lhe perguntar: “Não quer nos ajudar a expulsar daqui o infiel que está tão perto?” A resposta, depois de alguma hesitação, foi: “Sim, queremos”. Por uma razão que ele próprio ignora, o revisor insere um “não” na resposta do inglês: “Não, não queremos”. Com isso, muda radicalmente a sorte da batalha: os cristãos perdem e Lisboa continua árabe. Com vergonha de confessar a interpolação, o revisor terá de reinventar toda a história de Portugal – e podemos concluir que, se a reinventou, nem mesmo o Brasil existirá mais tarde. Não conheço melhor alegoria do valor da cultura: um pobre revisor altera o futuro a uma simples palavra, que lhe nasceu sem razão.
Dos grandes autores, Saramago foi o mais comprado no ano que termina. Mas não terá sido o mais lido – Faulkner, Guimarães Rosa, Euclides da Cunha também tiveram mais compradores que leitores. Por quê? São autores difíceis. Difíceis em quê? Eles propõem problemas aos leitores, a começar pelo problema da forma. O leitor médio brasileiro só alcança o nível dos autores de entretenimento puro, de autoajuda ou curiosidades. Não o constato para me vangloriar, pois a cultura intelectual não confere em si qualquer superioridade.
E por que a maioria dos brasileiros compradores de livros não consegue ler autores “de proposta”, que nos fazem estranhar a realidade, usando para isso alguma criatividade formal? A primeira resposta é óbvia: o nível da educação brasileira é baixo. Assim continuará nas próximas décadas, se não reformarmos o ensino. O estudante brasileiro médio não consegue ler nada – quando o professor escreve na lousa x + y, ele só vê x + y. Não alcança compreender que a notação algébrica, como a própria matemática, é a língua para fazer brilhar a natureza do mundo.
Uma segunda resposta é que a filosofia morreu. Filosofia, como sabe o leitor, tem muitas acepções. A mais elementar é a de sabedoria. Uma acepção mais elevada é a disciplinar, sinônima de história da filosofia: sucessão de escolas, grandes pensadores e sistemas de pensamento que nos empurravam no antigo colegial. Nesses dois sentidos, a filosofia continuará viva por muito tempo. Mas não é em qualquer deles que falo ao dizer que a filosofia morreu; e sua morte é uma razão de os leitores brasileiros não conseguirem curtir autores como Saramago. É na acepção seguinte.
A filosofia que morreu foi a arte de interpelar o mundo, a começar por si mesmo, elaborando narrativas críticas da vida. Uma crença das últimas gerações é a do presente contínuo: passado e futuro, experiência e projeto, fundamento e destino, não servem para nada. Não o constato com saudade do tempo em que as humanidades entupiam os currículos; não há nada no passado que deva ser trazido de volta.
O mundo da cultura (arte, ciência, política, hábitos, ideias) melhorou ou piorou nos últimos anos? Melhorou. A informação científica avançou, a produção artística se desenvolveu, a vida política se aperfeiçoou, os direitos humanos tornaram o Brasil de 2010 melhor que o de há 50 anos. Nenhum sexagenário, como eu, salvo um empedernido saudosista, preferiria, naqueles aspectos, o tempo em que foi criança.
Acontece que, paradoxalmente, o mundo da cultura também piorou (o leitor deve estar se perguntando se “piorou” não é um juízo subjetivo. É subjetivo, mas não arbitrário). O mundo da cultura se tornou pior porque a filosofia morreu – filosofia, repito, no sentido de questionamento sistemático do mundo e do eu. Pensemos na medicina. Seus diagnósticos e terapias são, hoje, infinitamente melhores – mas cada vez menos médicos se perguntam sobre a medicina. É como se x + y não passasse de um jogo para distrair e aguçar o raciocínio. Ou a literatura para distrair dos problemas da vida.
Neste caso, um Saramago vendeu muito, mas foi pouco lido. O português é um autor filosófico. Cada um dos seus romances propõe, sem resolver, um problema, a começar pela forma com que nos apresenta suas interpelações. É um autor difícil. Nós é que de uns anos para cá ficamos fáceis.
FRASE DA VEZ:
"Lê em primeiro lugar os bons livros, ou muito provavelmente não terás a oportunidade de os ler." (Henry David Thoreau)
HORA DO RUSH
Para que uma criança ou adolescente se disponha a ler é preciso, na grande maioria, de um processo de motivação.
ResponderExcluirSeja em casa ou na Escola, o fundamental incentivar.
Verdade! Livros vendidos não quer dizer, livros lidos, conforme edita a Veja "Os mais vendidos". Na minha opinião, deve ser por prazer que deve ser estimulado desde a infância, dentro da familia e na escola. "Quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê"
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