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domingo, 11 de julho de 2010

CARLOS GOMES - UM MITO QUE VIROU HOMEM


Revista Metrópole
UM MITO QUE VIROU HOMEM

REVISÃO:
Biografia de CARLOS GOMES mostra o compositor na intimidade e revela “segredos” que toda família procura esconder

Sammya Araújo
sammya@rac.com.br

Denise Maricato: "A família só fala mal de Carlos Gomes, que era perdulário, desmiolado... Mas que gênio é certinho ?"

“A intensidade das línguas de fogo era gigantesca, como se Fabiana, num ato de libertação, estivesse ajudando a queimar tudo o que ainda restava de seu convívio infeliz com aquele homem tirânico. Maneco queimou tudo que era da mulher, não deixando para os dois filhos um lenço sequer como lembrança da mãe. Nada restou. Nem seu corpo sabe-se onde está enterrado.” Parece um trecho de ficção, mas é passagem real da vida do expoente maior e filho ilustre de Campinas: o maestro Antonio Carlos Gomes.

Página de rosto de "Inno Marcia"
A fogueira em questão foi feita pelo pai dele, Manuel José Gomes, o Maneco Músico, que pôs a arder todos os pertences da mãe Fabiana, assassinada com brutalidade a tiros e facadas – crime do qual o próprio marido foi o principal suspeito. Assistiram ao ritual pelo menos dois dos 25 filhos, o futuro maestro, então com 8 anos, e o irmão querido que o acompanharia nos momentos bons e nos infortúnios, José Pedro de Sant’Anna Gomes.

Página de rosto de "Nella Luna - Canzonetta"

Coincidência ou não, uma explosão encerra a mais famosa peça artística de Carlos Gomes, O Guarani, adaptada do romance de José de Alencar. Digna de uma ópera, assim foi, de fato, a vida do maestro campineiro. Com episódios, como esse da fogueira, desconhecidos de boa parte dos cidadãos desta terra que o viu nascer há exatos 174 anos, neste mesmo 11 de julho, em 1836.

Levar mais do maestro ao público é o que pretende sua sobrinha-trineta, a especialista em línguas anglo-germânicas Denise Maricato, na biografia Olhos de Águia, a Trajetória de um Gênio: Antonio Carlos Gomes. O livro, pronto e à espera de uma editora, faz parte de sua cruzada para redimir o músico e tirá-lo do ostracismo ao qual julga ter sido ele relegado.

Crítica ferrenha do que considera desdém da cidade para com o maestro, Denise quer prestar um desagravo em alto estilo e promete revelar na obra segredos nunca antes comentados fora do círculo de seus descendentes, além de desfazer mitos e mexericos sobre o passado do parente famoso. Ela diz ter bebido diretamente na fonte das informações. “São histórias contadas por minha bisavó, Alzira Gomes, filha de Sant’Anna Gomes”, afirma.


Página de Rosto de "Inno Alpino"

Além de colocar alguns pingos nos “is”, Denise promete pérolas que escaparam dos historiadores e biógrafos do maestro. Desses baús de guardados de família ela tirou, por exemplo, revelações sobre o filho que o trisavô Sant’Anna Gomes teve na juventude, Paolino Gomes, “despachado” aos 18 anos com o argumento de estudar piano em Milão, onde então morava o tio Carlos Gomes.

Maldição da linhagem de músicos, a tuberculose o levou três anos depois, para desgosto do tio e indiferença do pai, que sequer viajou para vê-lo antes de morrer. O motivo, segundo Denise, seria varrer para baixo do tapete a indiscrição cometida por Sant’Anna Gomes aos 28 anos, ainda solteiro. “Ele casou-se quase aos 50 anos”, fala ela. Alzira, sua bisavó, nasceu quando Sant’Anna tinha 52 anos.

Diz Denise no livro: “Carlos Gomes, que já se encontrava em grandes dificuldades financeiras, ainda é forçado pelas circunstâncias a gastar o que não tinha com o sobrinho, e tudo em vão. Forçado pelas circunstâncias, porque Sant’Anna omitiu-se, não respondendo às cartas e aos telegramas do irmão. Carlos Gomes, com seu coração magnânimo, assume toda a responsabilidade com Paolino.” Os restos mortais de Paolino estão no ossário do Cimitero Monumentale di Milano.

Em outro cemitério milanês, o Maggiore, repousa um dos filhos de Carlos Gomes, Carlo Giuseppe Andrea Gomes, o Carletto. Após uma campanha de Denise para viabilizar o traslado para junto dos restos do pai, o sepultamento dos ossos de Carletto no monumento-túmulo dedicado ao maestro na Praça Antonio Pompeo foi negado no começo do mês pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc). Outro golpe para a memória do maestro, foi como ela recebeu a notícia.

AUTORA GARIMPOU EM MILÃO INFORMAÇÕES, FOTOGRAFIAS, DOCUMENTOS E RECORDAÇÕES SOBRE O COMPOSITOR; MATERIAL RENDEU CERCA DE 600 PÁGINAS

“Pelo visto, não ‘captaram’ o sentido de tudo: a intenção é homenagear Carlos Gomes trazendo pra junto dele seu filho. Um túmulo é um túmulo, seja embaixo daquele monumento, seja no cemitério ou seja apenas uma cova rasa. E olhe que, se não fosse a família Ferreira Penteado, Carlos Gomes teria esperado o famigerado monumento-túmulo numa cova rasa”, dispara Denise sobre o episódio em seu blog (http://maestrocarlosgomes.blogspot.com), referindo-se ao adiamento, por anos, da obra do túmulo, enquanto o maestro jazia enterrado no mausoléu dos Ferreira Penteado, no Cemitério da Saudade, “de favor”.

Denise comenta também domesticidades do maestro, como a dedicação ao palacete onde viveu em Milão, Vila Brasilia, que foi erguido em terreno de 10 hectares, consumiu os recursos de uma vida e terminou sendo leiloado pelos credores. “O que sobrou após o pagamento das dívidas dava para uma refeição para duas pessoas”, compara Denise. Atualmente, o prédio é público e serve de sede (Carlos Gomes ficaria feliz) a uma escola de música.

O cachorro pelo qual o maestro se apaixonou e que o adotou como dono, na verdade presenteado a Carletto pelo padrinho, o engenheiro abolicionista André Rebouças, é outro episódio pitoresco. “Era um cãozinho da raça malamute do Alaska, todo branco, e, por essa razão, recebeu o nome de Blanc. Ele afeiçoou-se irremediavelmente ao maestro. Quando viajava, o cão ficava amuado e pouco comia. Chegou até a adoecer algumas vezes. Era Blanc que o acompanhava nas suas famosas caminhadas por Milão; ficava deitado aos pés do maestro durante suas geniais criações”, diz ela.

Em destaque: Lápide de Carlo Andrea Gomnes, filho do maestro, em Milão: traslado dos restos a Campinas foi recusado.

PÁGINAS MUITO BEM ILUSTRADAS
A biografia do maestro com pitadas de familiaridades tem cerca de 600 páginas, que incluem 148 cartas, 200 fotografias em preto e branco e coloridas (muitas inéditas), vários documentos nunca revelados e o Mapa Astral de Carlos Gomes.
A obra está registrada na Biblioteca Nacional, informa Denise, que está em fase de negociação da publicação.

Constam na biografia ainda as suspeitas de ter sido traído pela esposa, Adelina Péri, o que levou Carlos Gomes a dormir em quarto separado do dela – é outro fato mencionado como aquelas coisas que toda família comenta sobre os seus e que entram para a posteridade quando envolvem gente ilustre.

“Os livros dizem que ela o traiu, mas eu não acredito. Era uma mulher sofrida, exímia pianista, que deixou tudo porque Carlos Gomes não permitia que ela tocasse. Viveu pra engravidar e enterrar os filhos. Foram quatro, em três anos”, diz Denise. O casal teve cinco filhos: Carlotta Maria, Mário e Manoel José morreram crianças; Carletto aos 25 anos e Itala Gomes Vaz de Carvalho, que está sepultada no Rio de Janeiro, aos 60 anos.

Sua última casa em Milão, antes do retorno ao Brasil
Outras passagens curiosas são sobre o possível câncer na língua desenvolvido pelo maestro graças ao inacreditável descuido de inverter a piteira e depositar o fumo aceso diretamente na boca. A história é outra de dona Alzira Gomes. “Segundo minha bisavó, ele era extremamente distraído. Mas o que eu acho mais lógico é que a piteira, por anos a fio, tenha acabado por lhe ferir a língua”, considera Denise Maricato.

AO CONTRÁRIO DO QUE É PROPALADO, MAESTRO NÃO MORREU SEM ASSISTÊNCIA; ELE TERIA RECEBIDO TODAS AS ATENÇÕES DO GOVERNO DO PARÁ

R. Carlos Gomes: homenagem do governo paraense ao filho ilustre de Campinas.

"FRATELLI, SI SIGNORE"
O amor entre os irmãos Carlos e Sant’Anna era inabalável, diz Denise. “Meu trisavô ajudou muito Carlos Gomes financeiramente, mas isso que a família diz, que ele perdeu tudo por causa do maestro, eu contesto. Perdeu o quê? Ele não tinha nenhuma fortuna pra dilapidar. Desde que eu me entendo por gente a família só fala mal de Carlos Gomes; que ele era perdulário, desmiolado... Mas que gênio é certinho?”, questiona a fã fervorosa, que não disfarça as escaramuças entre os descendentes geradas por sua dedicação ao maestro.

Carlos Gomes, lembra Denise, era muito talentoso, mas mestiço e humilde, de família muito simples. Estudando no Conservatório Nacional de Música, no Rio de Janeiro, onde se formou com louvor, ganhou, por ter sido medalha de ouro em um concurso, uma bolsa de D. Pedro II para ir a Milão aperfeiçoar-se.

Página de rosto de "Se sa Minga"
A proeza foi obtida após duas óperas, a de estreia, A Noite do Castelo (1861), e uma que é considerada obra-prima, Joanna de Flandres (1863). A viagem para a Itália e os estudos de aperfeiçoamento no Conservatório de Milão foram custeados pela bolsa, mas, segundo Denise, para sagrar-se um gênio e apresentar sua master piece O Guarani, no Scala de Milão, foi necessário muito dinheiro. E, nessa hora, Sant’Anna Gomes foi-lhe imprescindível.

“Meu trisavô fez uma ‘vaquinha’ entre amigos para complementar o necessário à apresentação do irmão no Teatro alla Scala de Milão. Eram 10 mil liras. Com as outras 10 mil da bolsa de D. Pedro II, ele montou O Guarani”, conta ela.

DESAGRAVO QUE VIROU PAIXÃO
Denise Maricato começou a pesquisar sobre Carlos Gomes com o objetivo de deixar registros aos netos. Incentivada pelos filhos, pariu a ideia do livro, que frutificou e virou projeto de vida. Até então ignorante sobre muita coisa da vida do parente ilustre, ela, juntamente com o marido, Célio Tullio Lopes, neto de outro músico conhecido de Campinas, o maestro João Di Tullio, passou a trilhar um caminho de adoração.

Em destaque: Lago di Como, um dos cenários que o compositor desfrutou na Itália.

Viajou a Milão, onde garimpou informações, fotografias, documentos e recordações sobre o autor de O Guarani – até uma pedra da fonte de Vila Brasilia veio na bagagem. Trouxe de lá também partituras, certidões de casamento e de óbito, registros de sepultamento. Nessa empreitada, arrebanhou amigos, como o maestro italiano Giovanni Fornasieri, que a auxilia rastreando dados em cartórios e afins.

A pesquisa rendeu o desejo de investir na memória do maestro para as gerações futuras. Está nos seus planos, por exemplo, fomentar a apresentação de Joanna de Flandres num teatro da região. A ópera, de 1863, julgada desaparecida após um incêndio em Recife no século 19, foi revisada pelos maestros Fábio Gomes de Oliveira e Achille Picchi e encenada novamente apenas em 2005. “Mas Campinas nunca ouviu essa ópera, o que é um absurdo”, critica Denise, que se empenha agora em conseguir patrocínio para a produção.

Ela também integrará o projeto “Campinas - terra de Carlos Gomes”, coordenado por Renata Sunega, que prevê apresentações musicais e teatrais que abordem a produção artística de Carlos Gomes, com o objetivo de divulgar à população da região a trajetória do maestro. “Estou encarregada de fazer um livro infanto-juvenil sobre ele, que será distribuído para as escolas”, comenta. O projeto está na fase de captação de recursos.

O FIM COM A REPÚBLICA

Denise desmente, na biografia, a versão de que Carlos Gomes tenha morrido sem assistência. Ao chegar em Belém, onde dirigiu o Conservatório de Música, foi assistido pelos médicos pessoais do então governador Lauro Sodré, por dois enfermeiros e um empregado, conta ela. “Um amigo cedeu-lhe um casarão para morar, que foi mobiliado especialmente para ele, inclusive com um piano para que pudesse tocar suas composições, e teve um corpo médico para tentar curá-lo, embora o esforço tenha sido inútil. Belém o acolheu com todo desvelo”, exalta. O maestro morreu tísico, aos 57 anos.

Ela explica o fato de ter sido ele artisticamente relegado pela Corte: “Carlos Gomes se recusou a escrever um hino à República, pois era amigo de D. Pedro II, mesmo não sendo monarquista por convicção. Era um artista. E se enterrou de vez ao manter-se fiel a quem o ajudou”, fala a sobrinha-trineta.
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COMENTÁRIO DA DENISE:
Correção ao texto: Carlos Gomes morreu aos 60 anos completos.
Fez 60 anos no dia 11 de Julho de 1896 e morreu em 16 de Setembro do mesmo ano.
Quero agradecer à Sammya Araújo, pela linda reportagem e pela única homenagem feita a CARLOS GOMES no dia de hoje.
Se o maestro estiver vendo, com certeza está muito feliz !
E eu, estou igualmente feliz, pois, meu livro está no caminho certinho para ser publicado no início de 2011, se Deus quiser !
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FRASE DO DIA:



"A CONSCIÊNCIA DO DEVER CUMPRIDO DERRAMA NA NOSSA ALMA DOCE ALEGRIA." (George Herbert)
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5 comentários:

  1. Denise, tive a honra de ler a belíssima matéria da Sammya Araújo - por sinal minha xará - a respeito da sua obra. Espero muito sucesso,e com certeza, pode contar com meu humilde blog, também para divulgação. Acompanho a algum tempo sua luta pelos jornais de Campinas.

    Se interessar pode ler: http://kidureza.blogspot.com = "Notas & Notícias" ou, especificamente;
    (http://kidureza.blogspot.com/2008/02/carnaval-ii.html)

    Tem ainda http://serrademinas.blogspot.com; com se vê, canais é o que não falta.

    Sucesso
    abraço

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  2. Parabens Denise pelo artigo e por toda essa dedicação e persistência em preservar a memória de um personagem tão importante para nosso país como é Carlos Gomes.Você mostra que vem de família onde há talento e criatividade.Sucesso!

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  3. Boa noite

    Procuro informações sobre um festival dedicado ao Maestro Carlos Gomes e que ocorreu na Bulgária.
    Não tenho maiores dados a respeito, mas gostaria de saber se há registro em vídeo para aquisição.
    Desde já, agradeço a atenção e subscrevo-me.

    Flávia Pereira (flavia.pereira@globo.com.br)

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  4. Flávia,
    eu ja te enviei um e-mail, com o e-mail de um amigo meu, belga, e que te dará todas as informações que precisar. Ele entende Inglês e Italiano, ok ? Mande o e-mail de preferência em Inglês. Se precisar de minha ajuda com o Inglês, mande para o meu e-mail, que eu passo para ele: didimaricato@gmail.com

    Abraço

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