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quinta-feira, 2 de junho de 2011

O ANALISTA DE BORGES



O analista de Borges
                      “Senti (os contos) profundamente. Tão profundamente que os contei, digamos, usando símbolos estranhos, de maneira que as pessoas possam não perceber que eles eram todos mais ou menos autobiográficos. Os contos eram sobre mim mesmo, minhas experiências.” A declaração, dada em 1967 pelo argentino Jorge Luis Borges a um jornalista da Paris Review, parece ter se fixado na mente do professor de espanhol de Oxford Edwin Williamson. Durante os nove anos em que realizou entrevistas e pesquisas para compor Borges: uma Vida, Williamson buscou incansavelmente vínculos entre as experiências de vida do escritor e seus textos.
                    O livro, lançado nos Estados Unidos e na Europa em 2004, faz uma completa investigação da vida de Jorge Luis Borges (1899-1986), escritor argentino que, embora nunca agraciado com um Nobel – o que o discípulo Ricardo Piglia atribui ao fato de não ser romancista –, foi reconhecido ainda vivo como um dos maiores do século XX. Completa, sim. Mas também repleta de interpretações do autor, Williamson.    
       Williamson

                   Num gesto que a princípio se pode dizer corajoso, mas em seguida se mostra um tanto infeliz, o professor de Oxford abriu mão da psicanálise para entender Borges à sua maneira. 
                  Foi assim que, mesmo ao narrar as relações do escritor com a vanguarda europeia e uma efervescente cena literária em Buenos Aires, sua oposição a Perón e seu apoio à ditadura militar, que depois recriminaria pelos desaparecidos políticos, deu ênfase maior a teorias criadas de próprio punho para provar como vida e obra se concatenam nas poesias e contos do mestre portenho.
                       Num trecho em que relaciona as aventuras e desventuras amorosas de Borges à sua paixão por Dante, que tinha por musa Beatriz, e pelo símbolo do infinito, o aleph, visto pelo biógrafo como a cura buscada por um homem de personalidade cindida, Williamson procura explicar, como se fosse preciso, a escolha do título do livro de contos O Aleph – aquele que Paulo Coelho tomou emprestado, para horror dos leitores de Borges. “Decidiu chamar o novo livro de O Aleph, nome do conto que escrevera depois de se apaixonar por Estela Canto. Por que escolheu esse título? Creio que foi porque, por volta da época em que O Aleph veio à luz, em 26 de junho de 1949, Estela Canto entrara em sua vida de novo e Borges estava novamente tentado a vê-la como a ‘nova Beatriz’ cujo amor o libertaria de seus infortúnios.”
                    Todas as escolhas de Borges, para Williamson, dizem respeito à difícil conciliação de seu caráter, cartesianamente dividido por pares de opostos. Ou por um par central do qual derivam os outros. Da oposição entre a mãe aristocrática, mas dominadora, e o pai passivo, mas liberal, surgem os confrontos entre tradição e revolução, força e fragilidade, passado e presente, pampa e cidade e, principalmente, entre a obediência a um comportamento rígido, significativamente “de família”, e sua vontade de namorar mulheres de condição econômica inferior ou de espírito libertário, que alimentariam a sua escrita.
                      Vale dizer já aqui que a teoria do autor tem falhas. O pai de Borges, embora submisso, era adúltero com a tolerância da mulher e chegou, num momento de cegueira avançada – o mal do escritor era hereditário –, a paquerar a própria esposa, pensando ser outra pessoa.
LA BELLA TOSCANA

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