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domingo, 31 de março de 2013

AFINIDADE


AFINIDADE
Artur da Távola
A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos.
O mais independente.

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação,
o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.
Afinidade é não haver tempo mediando a vida.
É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro.

Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois
que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples
e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.


Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos
fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.


Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar.
Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.


Só entra em relação rica e saudável com o outro,
quem aceita para poder questionar.
Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar,
não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é.
E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso.
Isso é afinidade.
Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceita
o outro como ele é. Por isso, aliás, questiona.
Questionamento de afins, eis a (in)fluência.
Questionamento de não afins, eis a guerra.


A afinidade não precisa do amor. Pode existir com ou sem ele.
Independente dele. A quilômetros de distância.
Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.
Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar,
por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos.
Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos,
veremos ou falaremos.

Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem
para buscar sintomas com pessoas distantes,
com amigos a quem não vemos, com amores latentes,
com irmãos do não vivido?


A afinidade é singular, discreta e independente,
porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu
o vínculo da afinidade!
No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação
exatamente do ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas
nem pelas pessoas que as tem.


Por prescindir do tempo e ser a ele superior,
a afinidade vence a morte, porque cada um de nós traz afinidades
ancestrais com a experiência da espécie no inconsciente.
Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós,
para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes.
Sensível é a afinidade.
É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido.
Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau,
porque o que define a afinidade é a sua existência também depois.


Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois
encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai conseguir
restituir o clima afetivo de antes,
é alguém com quem a afinidade foi temporária.
E afinidade real não é temporária. É supratemporal.
Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta,
ou a ilusão de que as vivências daquela época eram afinidade.
A pessoa mudou, transformou-se por outros meios.
A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas,
plantios de resultado diverso.

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças,
é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,
quantos das impossibilidades vividas.


Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou,
sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais,
a expressão do outro sob a forma ampliada e
refletida do eu individual aprimorado.

TEM MÚSICA NO AR !... 
 

EXÓTICOS VIOLINOS


OS VIOLINOS DE PHILIPPE GUILLERM

Philippe Guillerm é um artista francês que esculpe exóticos violinos em madeira.
O que mais impressiona em seu trabalho, são as curvas inusitadas e formatos que conferem vida própria aos instrumentos.
Formado em engenharia e design, Guillerm sempre foi apaixonado por Arte.
Trabalhou em diferentes projetos pelo mundo, incluindo Tahiti, Brasil e Austrália.


Suas esculturas de instrumentos musicais em formas atípicas expressam a natureza humana, suas necessidades, sonhos e instabilidades.
Seus trabalhos são feitos com galhos e restos de madeira, como mógno, álamo, jacarandá e noz.
A cor e cada tipo de madeira são responsáveis pela expressividade do produto final.
 As obras de Guillerm são exibidas em galerias por toda Europa, América do Sul, Canadá e Estados Unidos.
O artista vem desenvolvendo constantemente novas criações, trazendo ao seu público, surpresas e inspirações.

PINK WORLD

sábado, 30 de março de 2013

FIM DE TARDE


BOLERO DE RAVEL

 Técnica: Animação digital 2D
Sinopse: Uma fantástica orquestra de notas musicais que toca a música Boléro de "Maurice Ravel". Situações inusitadas vão acontecendo a medida que a música avança.




ESCONDIDINHO...
 

A ALEGRIA


A ALEGRIA
Pouco antes de morrer, Roland Barthers pronunciou a sua conferência inaugural como professor do College de France. Sabia que estava ficando velho, mas saudava a velhice como tempo de recomeço, o início de uma 'vita nuova'. E ao terminar sua fala fez uma confissão pessoal espantosa. Disse que havia chegado o momento de entregar-se ao esquecimento de tudo o que aprendera. 
Tempo de desaprender. As cobras, para continuar a viver, têm de abandonar a casca velha. Também ele tinha de abandonar os saberes com que a tradição o envolvera. Somente assim a vida poderia brotar de novo, fresca, do seu corpo, como a água brota das profundezas onde estivera enterrada. E disse então que este era o sentido de ficar sábio: “Nada de poder;/ um pouquinho de saber;/ e o máximo possível de sabor...
Sendo aquela a ocasião em que estava sendo inaugurado como professor, ele dizia que era isto que pretendia ser, daquele momento para frente: um mestre do prazer, aquele que se dedica a ensinar aos seus jovens alunos o gosto bom das coisas! Quem toma uma decisão como esta está afirmando que o prazer é a única coisa que vale a pena. Vivemos para o prazer. O que é espantoso é que tal revelação lhe tenha sido feita quando ele já deixara para trás os anos da juventude. Talvez que a sabedoria seja coisa crepuscular. Lembro-me das palavras de Hegel, que disse isto de forma poética: “a coruja de Minerva só abre as suas asas quando chega a penumbra que antecede o anoitecer...”
Jorge Luís Borges também só viu direito depois que a velhice o cegou. “Se eu pudesse de novo viver a minha vida...”: é assim que ele inicia o seu lindo texto-testamento, confessando que naquele momento deixava para trás tudo aquilo que um dia soubera como sabedoria. Agora, na velhice, chegava o momento de uma nova sabedoria. E ele descreve a vida que viveria, com os olhos de um menino. Sua sabedoria crepuscular era a sabedoria da criança que a educação desterrara e que, naquele momento, retornava. A sabedoria do crepúsculo é um reencontro com a infância. “Se eu pudesse viver de novo a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido. Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. Contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios, começaria a andar descalço no começo da Primavera e continuaria assim até o fim do Outono. Porque, se não o sabem, disto é feita a vida, só de momentos. Não percam o agora.”
Palavras que não se espera da boca de um velho. Nenhuma advertência solene. Nenhum conselho grave. Nenhuma palavra sombria. Somente o convite à leveza. A vida lhe aparece com uma imensa simplicidade: encontros sucessivos e inesperados com a alegria, que está sempre ao alcance da mão. Efêmera, em suas cores crepusculares, mas deliciosa como uma taça de vinho ou um beijo... Daí o seu conselho: “Não percam o agora. Ele nunca mais se repetirá.”
Fernando Pessoa diz a mesma coisa num dos seus poemas.

 “Dia em que não gozaste não foi teu:/ Foi só durares nele.
Quanto vivas/ Sem que o gozes, não vives./ Não pensa que amas, bebas ou sorrias: Basta o reflexo do sol ida na água/ De um charco, se te é grato./ Feliz o a quem, por ter em coisas mínimas/ Seu prazer posto, nenhum dia nega/ A natural ventura.”
É preciso muito pouco. Ela está muito próxima. Mora no momento. Perdemos a alegria porque pensamos que ela virá no futuro, depois de algum evento portentoso que mudará a nossa vida. Mas vida: o que é isto? Como diz o Riobaldo, “vida é noção que a gente completa seguida assim, mas só por lei de uma idéia falsa. Cada dia é um dia.” E a gente fica esperando que ela haverá de chegar depois da formatura, do casamento, do nascimento, da viagem, da promoção, da loteria, da eleição, da casa nova, da separação, da morte do marido, da morte da mulher, da aposentadoria... E ela não chega porque a alegria não mora no futuro mas só no agora.


Ela está lá ,modesta e fiel, no espaço da casa, no espaço da rua. Se não a encontrarmos, não é culpa dela. É culpa nossa. Nossos pensamentos andam muito longe dos lugares onde ela mora e, por isso, nossos olhos não podem ver. Como dizia o Mário Quintana, “quantas vezes a gente, em busca da ventura, procede tal e qual o avozinho infeliz: em vão, em toda parte, os óculos procura, tendo-os na ponta do nariz!”.
 
Velhice é quando se percebe que não existe no futuro nenhum evento portentoso por que esperar, como início da felicidade. Mas isto não será verdadeiro da vida inteira? Por isso, talvez, os jovens devessem aprender com os velhos que é preciso viver cada dia como se fosse o último. A alegria mora muito perto. Basta esticar a mão para colhê-la, sem nenhum esforço. Mas, para isto, seria necessário que os nossos olhos fossem iluminados pela luz do crepúsculo.

AZUL DA COR DO MAR...