MAESTRO NESCHLING VOLTA PARA A SUÍÇA
               "O  Brasil vive um período de crescimento econômico grandioso mas, ao que  me parece, isso não veio acompanhado de nenhum sentimento de  aperfeiçoamento cultural"                       Administrador e maestro de raro talento,  como prova o legado da Osesp, hoje uma respeitada orquestra mundo  afora, John Neschling se impôs como um personagem relevante da cultura  nacional. 
                      Aos 63 anos, recuperando-se de um tumor benigno que extirpou  em dezembro de 2010, sobre o qual ele fala pela primeira vez, o polêmico  maestro se diz desesperançado com o Brasil – “um país cheio de  geladeiras novas e nenhum teatro de ópera funcionando” – e hoje embarca para a Suíça, onde tem casa e fixará residência.
                    Pela  primeira vez desde que voltou ao país, em 1997, Neschling diz que viaja  “só com a passagem de ida”. Ainda assim, não fecha portas: diz que não  faz caminho sem volta, inclusive para o projeto da Companhia Brasileira  de Ópera, uma entidade privada criada por ele e integralmente  patrocinada pelo Ministério da Cultura em 2010, que não terá  continuidade.
                  Quando o senhor anunciou a parceria da Companhia  Brasileira de Ópera com o Ministério da Cultura, em novembro de 2009,  disse que a ocasião o fazia lembrar de quando anunciou o início do  processo de reestruturação da Orquestra Sinfônica do Estado de São  Paulo. Um ano e meio depois, a companhia se apresentou 89 vezes em 15  cidades, mas não terá continuidade. Algo deu errado ou houve  precipitação? 
"Talvez tenha havido, mas eu não me arrependo. Eu me  responsabilizo por tudo que foi feito e foi um bom trabalho. Mas eu  esperava uma coisa mais refinada ainda e diversas circunstâncias não  permitiram."
              Quais foram essas circunstâncias? 
"A burocracia  estatal, que é avassaladora. Você espera algo para uma semana e acontece  em três meses e enquanto isso é consolado dia após dia. Fizemos grande  parte da nossa turnê afogados em dívidas que não eram dívidas impagáveis  porque eu sabia que o dinheiro ia entrar em algum momento, mas que nos  deixavam numa situação muito desagradável junto aos artistas. Também  tive problemas com os produtores. Os métodos da produção foram se  chocando cada vez mais com os meus métodos de criação artística de forma  que, quando a ópera estreou, informei aos meus sócios que ao fim da  turnê eu não continuaria na companhia naqueles moldes.
 A companhia  ter sido sido abraçada na sua totalidade pelo governo não deu a ela um  caráter excessivamente oficial? E daí? Qual é a instituição em atividade  cultural de ponta que vive do dinheiro privado no Brasil? E se vive do  dinheiro público não está exposta ao mercado? Essa é uma visão  reducionista. Primeiro porque o estado tem obrigação de fazer coisas  desse tipo, segundo, porque toda a atividade da Companhia de Ópera foi  um processo transparente. Eu fiz uma proposta cultural e o governo  encampou e pagou. Se eu tivesse feito essa proposta para uma cervejaria  ou uma companhia aérea, eles iriam exigir muito mais contrapartidas do  que a simples qualidade do espetáculo."
         Então valeu a pena estar  atrelado do governo? 
"Sim, porque 100.000 pessoas que nunca tinham visto  ópera fizeram filas para nos assistir e as partes envolvidas cumpriram  as suas obrigações. Aconteceu a mesma coisa no processo de  reestruturação da Osesp. Nos primeiros sete anos, a orquestra não  usufruiu de um centavo sequer de dinheiro privado. No Brasil, o  particular costuma apoiar iniciativas ligadas a arte quando ela dá  prestígio para a imagem do investidor. O Unibanco começou a patrocinar a  Osesp quando ela já estava erguida, não foi por mecenato ou altruísmo."
            Durante  a campanha eleitoral o senhor declarou publicamente a sua simpatia pela  candidata Dilma Roussef. Esperava, por causa disso, que o governo  mantivesse a parceria com a Companhia Brasileira de Ópera? 
"Quando houve a  troca de governo eu esperei que o então ministro da Cultura Juca  Ferreira continuasse à frente do cargo. E via isso com bons olhos, pois  foi com ele que tratei do projeto desde o início, de uma maneira muito  franca. Mesmo com a saída dele, eu esperava que a parceria continuasse  pela magnitude do projeto, por termos empregado centenas de pessoas e  levado cultura erudita a milhares de pessoas. Isso não aconteceu."
              Houve  algum contato com o novo governo nesse sentido? 
"Não. A presidente  resolveu nomear para o Ministério da Cultura uma pessoa que eu não  conheço e que, ao que parece, veio ocupar o órgão como um nome do PT.  Até agora o que vi, a julgar por declarações na imprensa, foi uma pessoa  despreparada, meio perdidona. Pode ser que com o tempo até seja uma boa  ministra."
               A que se deve a sua decisão de deixar o país? 
"Um  sentimento de desesperança. O Brasil vive um período de crescimento  econômico grandioso, estamos inundados de estatísticas sobre o  crescimento de vendas da linha branca e do aumento na construção civil,  mas, ao que me parece, isso não veio acompanhado de nenhum sentimento de  aperfeiçoamento cultural, de depuração estética. Podemos virar um país  cheio de geladeiras novas e nenhum teatro de ópera funcionando. Isso é  deprimente."
            Recentemente o senhor enfrentou um grave problema de  saúde. Isso influenciou a decisão? 
"Pelo contrário, atrasou. Eu já estava  decidido a viver na Europa e só não o fiz em dezembro passado porque  fui diagnosticado com uma manifestação tumoral."
           Em que pé essa situação se encontra atualmente? 
"O tumor foi extirpado e não deixou rastros."
          Como  o senhor recebeu a notícia? 
"É como um tiro. É duro perceber que você  não é invulnerável. De repente você perde a sua imortalidade virtual, o  sentimento de que pode acontecer com qualquer pessoa menos com você, e  cai num vazio. Descobri o tumor num exame de rotina, numa sexta-feira, e  fui operado cinco dias depois. Durante cinco dias eu achei que minha  vida acabaria naquela quarta-feira, sem um sentimento prolongado de  futuro. Na quinta-feira após a cirurgia, o médico chegou para mim e  disse que estava tudo bem, que tinha sido um sucesso. Hoje estou bem e embarco para a Europa."
          O senhor já viveu na Europa antes e  foi chamado para voltar ao Brasil. Há um sentimento de exílio desta  vez? 
"Não. Já me senti um exilado na Europa, mas hoje eu tenho plena  consciência do trabalho que realizei em 14 anos vivendo no Brasil  novamente. Por isso não me permito ficar de pires na mão pedindo ajuda  para produzir ópera e cultura de ponta. Além do mais, não fecho nenhuma  porta e não faço nenhum caminho sem volta."
 DANÇANDO NAS DUNAS



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