“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos” – (Fernando Pessoa)
"Maravilha! E tem tempo para todo mundo se organizar e conferir PESSOA.
Tudo que não quero esquecer, anoto em pedaços de papel rasgados com a mesma pressa da letra torta. Tarefas corriqueiras, nomes de livros que pretendo ler, frases que ouvi de desconhecidos na rua, pílulas de textos e músicas. Faço isso simplesmente para me contrariar: sou uma desmemoriada. Por causa dessa mania, vira e mexe, me surpreendo ao fazer faxina numa bolsa, nas estantes, nas caixas de fundo de armário. Semanas atrás, enquanto virava fotos de um álbum antigo, encontrei o trecho acima, escrito pelo poeta português que tanto recriou a si próprio por meio de heterônimos.
A exposição “Fernando Pessoa, plural como o universo”, inaugurada nesta última terça (24), no Museu da Língua Portuguesa, trata justamente disso. Ansiosa, dei um pulo lá ontem mesmo.
Mestre dos heterônimos, Fernando Pessoa acreditava que "o poeta é um fingidor"...
“O poeta é um fingidor”
Seis cabines interativas recepcionam os visitantes e apresentam algumas “máscaras” de Pessoa (como Ricardo Reis, Álvaro Campos e muitos outros). Entrei numa delas e um sensor detectou o movimento do meu braço: logo foi projetado um poema de Alberto Cairo e sons de passarinhos tomaram conta do espaço destinado ao “guardador de rebanhos”.
São cerca de seis exemplos em cada cabine – basta simular uma mudança de página sobre a imagem e as letras se embaralham, transformando-se em nova obra.
Na entrada da exposição, instalação com cadeiras e mesa, além de seis cabines interativas para retratar a obra de seus mais famosos autores fictícios.
Relembrei as aulas de literatura do colegial ao reparar que, além da multiplicidade no estilo, até as assinaturas dos heterônimos guardam diferenças.
Como ele podia vestir até a própria caligrafia? Ele mesmo admitia que “o poeta é um fingidor”. E concluiu, em outro momento, que não tinha mais personalidade, pois a teria dividido entre tantos autores: “sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha”.
Labirinto de espelhos brinca com a ideia de multiplicidade do poeta lisboeta.
Passeando pelas paredes azuis e por imagens de Lisboa, voltei aos tempos e mares que inspiraram Pessoa. Navegar era preciso.
Documentos e manuscritos antecedem a segunda etapa da viagem sensorial pela exposição. Lá encarei um labirinto de espelhos, onde um texto escrito ao contrário só podia ser entendido por um jogo de reflexos.
Por ali, não me pergunte onde exatamente, aprendi que Bernardo Soares era um sábio ajudante de livros. E anotei no verso de uma folha:
“Nunca amamos alguém. / Amamos tão somente / a ideia que fazemos de alguém. / É um conceito nosso / – em suma, é a nós mesmos – que amamos”.
Parede negra com tinta que brilha no escuro traz trechos de poemas do homenageado. Após sua morte, foram descobertos 25 mil originais.
Uma espécie de Ipad gigante digitalizou a edição de “Mensagem”, único livro publicado por Pessoa, com observações feitas à mão pelo autor. Dá para virar as páginas dessa preciosidade e ampliar os rabiscos.
No corredor ao lado, está a cronologia da vida e da obra daquele que escreveu o primeiro poema aos 7 anos, cursou letras, teve apenas uma namorada e morreu de pancreatite aguda aos 47 anos. Só então foram encontrados 25 mil originais numa arca e ele foi considerado o maior poeta português do século XX.
Ipad gigante: digitalizada, a primeira edição do livro Mensagem tem observações do autor.
Não deixe de reparar nos dois vídeos que funcionam como janelas no fundo do andar. Em um deles, o mar bate constantemente sobre as pedras.
No outro, uma multidão de gente caminha enquanto há ondas de foco na imagem e declamam-se outras composições do homenageado.
Documentos e manuscritos nas vitrines, bancada com obras sobre Pessoa e corredor com cronologia de sua vida.
Na última parte da mostra, um pêndulo simboliza o tempo entre duas caixas de areia. Nelas, um efeito sensacional faz com que poemas sejam escritos como se alguém usasse um graveto: “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
Minutos depois, a espuma de uma onda alcança o texto e dissolve tudo.
Pêndulo em movimento simboliza o tempo. Na caixa de areia são projetados trechos de poemas. Em poucos minutos, um efeito de onda dissolve tudo.
Sob curadoria do pesquisador americano Richard Zenith e do professor Carlos Felipe Moisés, a exposição promovida pela Fundação Roberto Marinho fica em cartaz até 30 de janeiro de 2011."
“A morte é a curva da estrada, / Morrer é só não ser visto” (Sem título, 23/05/1932)
Museu da Língua Portuguesa
Praça da Luz, s/nº, Centro, tel. 3326-0775, www.museudalinguaportuguesa. org.br
Ter. a dom., 10h/18h. Nas últimas terças de cada mês, aberto até 22h.
Ingressos: R$6
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FRASE DA VEZ:
"Tenho em mim todos os sonhos do mundo" (Fernando Pessoa)
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O PENSADOR------------
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