ÚLTIMO DIA DO MES DE CARLOS GOMES
SONATA PARA CORDAS - CARLOS GOMES - MOVIMENTO I - O BURRICO DE PAU - Allegro animato
Apresentação da Camerata Ivoti na Igreja Nikolai em FRANKFURT/Main no dia 11/02/2010 com apoio do CCBF.
"BURRICO DE PAU"
Poucos anos antes de sua morte, quando ainda se achava em Milão fazendo um passeio por um gênero diferente da ópera, compôs a "Sonata para instrumentos de cordas" – quarteto ou quinteto –, hoje conhecida por "BURRICO DE PAU", dedicada ao Club Sant’Anna Gomes – associação musical campineira dirigida por Sant’Anna, seu irmão.
Possui um quarteto para cordas, mas depois acrescentou o contrabaixo para ser executado por conjuntos de cordas.
Nesse trabalho, os instrumentos são tratados de maneira muito própria, encerrando cada um deles, numa linha de desenvolvimento muito rico, as mais interessantes normas rítmicas, talvez as frases mais expressivas de sua obra.
Ela se compõe de quatro movimentos: Allegro Animato; Allegro Scherzoso; Adagio Lento e Calmo; e Vivace (Burrico de Pau), destacando-se entre eles o caminhante que, por uma simplicidade encantadora, tocando quase as raias da ingenuidade, é sem dúvida o ponto mais elevado desse trabalho e em que a expressão testemunha uma sinceridade surpreendente.
Muito belos são também os primeiro e terceiro movimentos: o primeiro em caráter muito decisivo, entremeado de pequenos divertimentos e o terceiro, cheio de graça, em forma muito pura e característica.
O último tempo, que humoristicamente chamou BURRICO DE PAU demonstra, dentro da forma perfeita em que está construído, grande habilidade na produção do efeito sonoro que, no primeiro violino, reproduz onomatopaicamente, as mudanças cômicas da voz daquele animal.
Esse trabalho mostra de maneira evidente o grande conhecimento que ele possuía do gênero, constituindo para todos nós verdadeira revelação. É lastimável que na sua produção não fossem mais numerosas as realizações nesse gênero puro da música, acrescentando ainda mais uma base na formação do monumento musical brasileiro da música de câmara.
ÓPERA "SALVADOR ROSA"
Em 11 de março chega carta de Ghislanzoni, que já não está com Ponchielli, colocando-se à disposição de CARLOS GOMES. Rebouças e CARLOS GOMES então partem para Lecco, onde era a casa de Ghislanzoni, para contratar o libreto de "SALVADOR ROSA".
O contrato é assinado em 12 de março; com 1.500 francos pagos por CARLOS GOMES e 500 pelo editor.
Ficava o editor com propriedade da ópera para a Itália e CARLOS GOMES para o Brasil.
O seu lançamento acontece em 21 de março de 1874, no Teatro Carlo Felice, de Gênova. Com essa ópera, CARLOS GOMES foi definitivamente consagrado. Foi ela a mais cantada mais popular e mais querida em toda Itália.
Assinado o contrato com a Ricordi, começa a trabalhar febrilmente na casa alugada em Lecco, onde compõe a maior parte da ópera. "SALVADOR ROSA" gera discussões intermináveis entre ele e Ghislanzoni, que eram impulsivos e tinham a língua solta.
O principal assunto dessa ópera é o jogo político que está em relevo e não a história de amor, apesar de ela ser ilustrada por um longo e belíssimo dueto.
Apesar de a estética soar antiquada, CARLOS GOMES compõe música com alto refinamento.
CURIOSIDADES DO MES DE CARLOS GOMES
“HINO ACADÊMICO” -1
Branca nuvem de um róseo porvir;
Do futuro levais a bandeira,
Hasteada na frente a sorrir.
Mocidade, eia avante, eia avante!
Que o Brasil sobre vós ergue a fé;
Este imenso colosso gigante
Trabalhai por erguê-lo de pé!
O Brasil quer a luz da verdade,
E uma c'roa de louros também,
Só as leis que nos dêem liberdade,
Ao gigante das selvas convém!
Vossa estrela reluz radiante,
Oh! erguei-a vós todos, com fé,
Este imenso colosso gigante
Trabalhai por erguê-lo de pé!
É nas letras que a Pátria querida
Há de um dia, fulgente, se erguer,
Velha Europa, curvada e abatida,
Lá de longe que inveja há de ter!
Nós iremos marchando adiante,
Acenando o futuro com fé,
Este imenso colosso gigante
Trabalhai por erguê-lo de pé!
Orgulhoso o bretão lá dos mares
Respeitar-nos então há de vir,
São direitos sagrados os lares,
Nunca mais ousarão nos ferir.
Auriverde pendão fulgurante
Hasteai-o, mancebos, com fé!
Este imenso colosso gigante,
Trabalhai por erguê-lo de pé!
São imensos os rios que temos,
Nossos campos quão vastos que são!
As montanhas tão altas, que vemos,
De um futuro bem alto serão.
O futuro não vai mui distante,
Já podeis acená-lo com fé,
Este imenso colosso gigante,
Trabalhai por erguê-lo de pé!
Nossos pais nos legaram guerreiros,
Honra a glória, virtude e saber;
Nós os filhos de pais brasileiros,
Pela Pátria devemos morrer!
Mocidade eia avante, eia avante!
Que o Brasil sobre vós ergue a fé!
Este imenso colosso gigante,
Trabalhai por erguê-lo de pé!
O piano presente na república Cazuza, torna-a importante para CARLOS GOMES, com vinte e três anos na época e para outro residente, o poeta sergipano, de vinte e cinco anos, Francisco Leite Bittencourt Sampaio.
O "Hino Acadêmico" ou "Hino à Mocidade Acadêmica", apresentado durante concerto em benefício da Sociedade de Proteção aos Artistas, difundiu-se de imediato e CARLOS GOMES é consagrado e eleito o maestro dos acadêmicos e do povo.
Faz uma tournée com o irmão violinista Sant'Anna Gomes pelas principais províncias de São Paulo, hospedando-se em repúblicas estudantis. Esta vida entre amigos, de composições, festinhas, viagens, férias, fins-de-semana, saraus e diversões de juventude aconteceu entre os anos de 1857 a 1859, em que eles se encontram a beber, a jogar voltarete, a recitar versos, a narrar aventuras amorosas, a falar mal dos professores e da escola: uma época descompromissada e feliz.
CURIOSIDADES DO MES DE CARLOS GOMES 2
Parte para a Itália em 9 de dezembro de 1863 no "Paraná", um paquete inglês.
Fica obrigado a escrever uma composição importante nos primeiros dois anos de permanência na Europa e a enviar certificados de sua frequência às aulas, em uma espécie de relatório.
Durante essa travessia marítima, ávido de música, compõe uma quadrilha com o título "Herdeira do Trono", para ser tocada no lugar do hino à rainha da Inglaterra – "God save the Queen" – pela orquestra de bordo.
A partir daí, o navio só tocava sua quadrilha. Desembarca em Lisboa onde fica por dez dias.
CONSELHOS
O texto da canção "Conselhos" é do Dr. Velho Experiente – pseudônimo de CARLOS GOMES:
Menina, venha cá, veja o que faz
Se por seu gosto o casamento quer
A vontade ao marido há de fazer
Que este dever o casamento traz.
Se o homem velho for, ou se ainda rapaz,
Tome a lição que ele quiser lhe dar.
Se funções e contradanças não quiser,
Também não queira, que é melhor para não brigar…
Procure de agradar, sem contrariar;
Pronta sempre a obedecer;
Tenha dele cuidados com amor…
Em quanto ao resto deixe lá correr.
Se ainda muito moço e arrebatado for,
Nada de ciúmes, que seria pior;
A mulher só faz o homem bom e mau:
Que assim como dá pão pode dar pau!
"Conselhos", designada como Canção Popular Brasileira, com texto em português, é uma brincadeira de CARLOS GOMES; dedicada a Isaura Castellões, filha do casal Castellões, seus compadres – Isaura é sua afilhada.
CURIOSIDADES DO MES DE CARLOS GOMES - 3
Por intermédio de um anúncio no jornal de Campinas, do mês de janeiro de 1857, CARLOS GOMES começa a dar lições de música, canto e piano em uma escola noturna que fundou em sociedade com Ernest Maneille, que durou apenas um ano.
Então, CARLOS GOMES deixou o sócio e assumiu sozinho a responsabilidade de ensinar música. Fez a sua propaganda e publicou pelos jornais o anúncio de sua escola:
"O abaixo assignado declara ter dissolvido a sociedade que tinha com o Illmo. Sr. Ernest Maneille para aulas de música e que continua a leccionar na mesma casa e nas mesmas condições:
Lições de Canto 5$000
Canto e Música 6$000
Piano e Canto 10$000
Pagos adeantados.
Antonio Carlos Gomes"
CURIOSIDADES DO MES DE CARLOS GOMES - 4
CIDADE DE COMO
É uma cidade na Lombardia que está a 45 km ao norte de Milão; atualmente tem uma população de aproximadamente 85.000 habitantes. Seu estilo é medieval na parte intra-muralhas e as colinas que a rodeiam eram habitadas em tempos pré-históricos.
LAGO DI COMO
É um lago de origem glacial que possui uma vista maravilhosa em toda sua extensão; com uma área de 146 quilômetros quadrados, é o terceiro maior lago da Itália, depois do Lago de Garda e do Lago Maggiore.
Tem mais de 400 metros de profundidade; é um dos mais profundos da Europa e o fundo do lago é de mais de 200 metros – 656 pés – abaixo do nível do mar.
Sua beleza de águas azuis, rodeado de montanhas e pequenas vilas de casas de alto padrão, é um local onde a maior parte da elite de Milão reside.
16 DE SETEMBRO DE 1896 - O POUSO DA ÁGUIA...
Chega a Belém em estado geral de total prostração, pois a longa viagem o debilitara. Todos do Pará se reúnem para vir em seu socorro. Uma junta de 23 médicos se reune na casa do maestro no dia seguinte à sua chegada, examina-o e diagnostica epiteolomia ou epitelioma, isto é, tumor maligno que atinge o epitélio, tecido que forma o revestimento da superfície externa do corpo e de suas cavidades. Mal de morte sem saída, ainda mais naquela época.
Já não falava mais com clareza, quase não engolia e quando conseguia fazê-lo era com extrema dificuldade, usava uma vareta para apontar as coisas de que tinha necessidade e lápis e papel para comunicar-se – foi assim que avisou que deixara dois filhos em apuros em Milão, um deles muito doente e que fizera muitos empréstimos para poder ser operado em Lisboa e viajar para Belém sob garantia de seu seguro de vida, contraindo uma dívida de 17.000 liras.
A revelação do câncer veio à luz em viagem de Milão para Belém, quando aportou em Lisboa, onde o diagnóstico e primeiros atendimentos foram feitos para surpresa e consternação da imprensa lisboeta.
São divulgadas as alarmantes perspectivas para o futuro próximo de CARLOS GOMES, noticiava-se que ele, de fato, havia embarcado em Lisboa, a bordo do Obidense, com destino ao Pará.
Já em terra, o maestro, em carruagem que lhe foi destinada, dirigiu-se à casa que o Governo do Estado preparara para hospedá-lo, sendo acompanhado por um cortejo em que políticos, artistas e intelectuais juntavam-se a populares, uma residência de propriedade do Visconde de São Domingos, seu compadre e amigo particular. Localizada no n. 59 da atual Travessa Quintino Bocaiúva, a nova moradia, um belo exemplar paraense da segunda metade do século XIX, ficava fora do centro, distante do movimento reinante no coração de Belém.
Segundo o Diário de Notícias de 16 de Maio de 1896, um grupo de médicos paraenses reuniu-se para discutir sobre o estado de saúde de CARLOS GOMES.
Em outras palavras, CARLOS GOMES morreu cercado de atenção, apoiado pela ciência da época e não abandonado à própria sorte.
Vota-se uma pensão mensal de dois contos de réis enquanto viver, assegurando a seus dois filhos um salário de quinhentos mil réis para cada um após a morte do pai – para Carletto até que completasse vinte e cinco anos e para Itala até que se casasse, quando receberia um dote de trinta contos.
CARLOS GOMES recebe o despacho das mãos de Campos Sales.
E o maestro diz:
–“Nunca! Nunca! Jamais lançarei mão desse dinheiro! Jamais!”–. E não aceita, jogando o despacho no chão.
Em 5 de julho, em total estado de fraqueza, toma posse como diretor do Conservatório de Música do Pará em meio a solenidades, discursos e bandas de música.
Em seu aniversário, dia 11 de julho, muitos amigos o visitam em seus aposentos da casa na Rua Quintino Bocaiúva – não o deixam só nem desamparado, alguém sempre o acompanha em sua agonia – a doença progredia rapidamente.
Às dez horas e quinze minutos da noite de 16 de setembro de 1896 morre o maestro
Silio Boccanera Junior escreve:
Às 10 h 35min, o boletim:
“Expirou o eminente maestro. Cerrou-lhe os olhos o Dr. Lauro Sodré… A morte de CARLOS GOMES foi completamente serena. O arquejar regularíssimo diminuiu a pouco e pouco e o último suspiro esvaiu-se num ofego quase imperceptível. A expressão do rosto é serena.”
Nenhum sacerdote visitou CARLOS GOMES em sua agonia e nem na hora da morte. Ele não recebeu extrema-unção nem hóstia consagrada talvez porque fosse maçon, mais um gesto incoerente e desumano da Igreja Católica. Num gesto piedoso, o Dr. Pedro Clermont colocou-lhe sobre o peito um crucifixo na hora final.
O Atestado de Óbito foi firmado pelos Drs. Almeida Pernambuco e Holanda Lima e declarou que o maestro faleceu às 10 h e 20 min da noite de 16 de setembro de 1896, na casa nº 59, na Travessa. Quintino Bocaiúva, de cachexia cancerosa, sob nº 2265, lavrado em 17 de setembro de 1896 às fls. 115 v. e 116 do livro nº 24 do Cartório do Primeiro Ofício de Nascimentos e Óbitos de Belém.
Na manhã do dia 17 de Setembro, decretado feriado estadual, a cidade já indicava os sinais da oficialização da dor, com o fechamento das repartições, das escolas e do comércio e com a bandeira brasileira hasteada a meio pau nos edifícios públicos e nas associações culturais e profissionais – os consulados também o fizeram com os pavilhões dos seus respectivos países.
Segundo Silio Boccanera: “CARLOS GOMES morreu, porém, torturado por mil dissabores e pela angústia de não ter sido compreendido nem auxiliado, senão por meia dúzia de amigos e fiéis companheiros.”
Há autores que relatam a morte de CARLOS GOMES como manchada pela infidelidade, com o maestro morrendo abandonado numa rede suja, ao contrário da realidade. O seu funeral foi repleto de celebrações religiosas nunca vistas em Belém do Pará.
Esse desabafo de CARLOS GOMES confidenciado a Bierrenbach é de uma carta de 1895 enviada de Pernambuco (a bordo do vapor Brasil do Lloyd Brasileiro) ao seu compadre Manoel José de Souza Guimarães:
“Desde Milão fiz-te ciência do motivo urgente que me levava a Belém… Qualquer que seja, porém, o clima do Pará, quaisquer que sejam os perigos do clima para mim, eu creio que será forçoso voltar para lá no próximo mês de junho de 1896.
Eis aqui uma longa história de sacrifícios que eu não te poderei contar nem descrever… O Rio de Janeiro não é para os bicos do teu pobre compadre…
O Conservatório do Rio de Janeiro é só para gente de alto merecimento. O Governo Federal está acostumado a fazer justiça? O destino, compadre, tem sempre uma força relativa, mas é por causa desta força que eu ando muito resignado e quase indiferente às injustiças do Governo Federal a meu respeito. A minha saúde tem sofrido muito ultimamente; além disso a minha moléstia na boca piorou no Pará.
Mas, o que fazer? No Rio não me querem nem para porteiro do Conservatório. Em Campinas e São Paulo idem.
No Pará, porém, me querem de braços abertos! Não me querem no Sul, morrerei no Norte que é toda a terra brasileira! Amém!”
Eis o decreto que declara o dia 17 de Setembro, feriado no estado do Pará:
“Decreto nº 316 de 17 de setembro de 1896 – Feriado dia 17 de setembro do corrente ano – O Governador do Estado, em homenagem à memória do maestro CARLOS GOMES, resolve declarar feriado em todas as repartições do Estado o dia de hoje – Palácio do Governo do Pará, 17 de setembro de 1896 – Lauro Sodré.”
FRASES DE CARLOS GOMES:
- "CADA VEZ ME CONVENÇO AINDA MAIS DE QUE A ARTE E OS ARTISTAS DE ALGUM MERECIMENTO, TODOS REUNIDOS, VALEM NADA, EM COMPARAÇÃO A UM SÓ DA POLÍTICA."
2. “SE EU MORRER LONGE DO MEU BRASIL, QUERO QUE CUBRAM MEU ESQUIFE COM A BANDEIRA AURI-VERDE DA MINHA PÁTRIA E COM ELA QUERO SER ENTERRADO."
- "(...)MAS TODOS JÁ PODEMOS CALCULAR A RUÍNA QUE ISSO ACARRETARÁ...NÃO CUIDO DE POLÍTICA, NEM DA DO MEU PAÍS, MAS INFELIZMENTE CONHEÇO MELLO E PEIXOTO DE PERTO E RECEIO QUE ISTO SEJA APENAS O COMEÇO !" (Antonio CARLOS GOMES em carta ao amigo Tornaghi, a respeito da República)
4. “NÃO LEVAREI SAUDADE DO MUNDO NEM DO GOVERNO DA REPÚBLICA QUE TÃO INJUSTO TEM SIDO COMIGO."
5. "EIS POR QUE LHE DISSE QUE A MINHA TRISTE SITUAÇÃO É COMO AQUELA DO NÁUFRAGO À VISTA DO PORTO !"
6. FALTANDO A CALMA DO CORAÇÃO, FALTA A PAZ DA ALMA; FALTA O ARTISTA, MORRE O HOMEM."
Fonte: Meu livro "OLHOS DE ÁGUIA - ANTONIO CARLOS GOMES - A TRAJETÓRIA DE UM GÊNIO" - a ser publicado.